domingo, 29 de dezembro de 2013

"OFERTA" - Soares Teixeira








Ofereço-te
a luz que se liberta das madrugadas
as distâncias que se estendem dos poemas
os sons mais íntimos de uma galáxia

Viro-me para a minha infância
e procuro a mais bela recordação
ofereço-ta

Vou buscar a liberdade de uma gaivota
e uso-a para embrulhar
o silêncio com que nos beijamos

Ofereço-te
esta romã no sangue, esta flauta lunar
esta proa de bruma, este sol sem peso
esta espuma que de mim voa



Soares Teixeira – 29-12-2013
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

"ALENTO" - Soares Teixeira








Onde
senão na intimidade do céu
encontramos a cor do sonho?
Onde
senão na espera dos horizontes
encontramos o nosso caminho?
Onde
Senão no absoluto das flores
encontramos a voz do alento?

Sentir…
até ao tecto de nós mesmos
e não achar tecto
mas outro céu
outro horizonte, outra flor
Sentir..
para lá da sabedoria do silêncio
e achar desejo
em ser vento
anterior às rochas
Sentir…
início a atravessar distância
sede sem nome
respiração intacta
de raiz inaugural

Leve
a palavra habita a casa
Leve
a palavra ondula no rio
Leve
a palavra prolonga

Ser caminho que se questiona
Ser certa incerteza
Ser além em qualquer olhar

Ter por casa um rio
e nele navegar
pensar



Soares Teixeira – 26-12-2013
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

"SOLSTÍCIO DE INVERNO" - Soares Teixeira








É tempo de Solstício de Inverno. Alegrai-vos abóbadas escondidas sob as lajes do chão. Irrompei de vós mesmos como súbitos relâmpagos em vós descobertos, decifrados e por decifrar. Aos de olhar inflamado na proa do gesto, digo-vos: Vivam! Gozem! - como sempre fizeram. Aos variáveis na cor da tela da vida, digo-vos: arco-íris e girassol - sempre. Aos que amam a dor de se despedirem das colheres que sentem não deverem alimentar-lhes o sorriso, digo-vos: Há tempo de ser o derradeiro sonho dos que se sonham, há tempo de ser a lágrima da ignota estátua em que se converterá o existir – este é o tempo de assobiar vontades marítimas. Enquanto as árvores tocarem flautas dentro dos ramos, enquanto os pássaros trouxerem nas asas a respiração da liberdade, enquanto os peixes nomearem tudo o que no seu reino é deslumbramento, enquanto os ventos espalharem sementes pelo peito dos horizontes, enquanto as nuvens forem a pátria do coaxar das rãs, enquanto os lagos acariciarem o reflexo do Sol, enquanto os cumes das montanhas forem beijo soprado à Lua; equídeos correrão dentro das minhas veias, nas suas crinas estará a incandescência das galáxias e nos seus cascos toda a avidez da luz. Oh! instantes que chovem dos instantes, saltarei no vosso charco, esfregar-me-ei com a vossa lama, beberei o leite - pelas minhas mãos ordenhado - das vossas vacas sagradas. Afastem-se de mim os amantes titubeantes, afaste-se de mim o cabecear dos que se alimentam da negação dos sonhos, afastem-se de mim os que entrelaçam as mãos nas correntes do medo, afastem de mim a seriedade dos sensores, afastem de mim a voz engomada dos moralistas. Pego nas conveniências, olho-as, rio-me com estridentes gargalhadas de gozo, e atiro-as para longe, para que os ratos as comam. Tragam-me vinho, tragam-me de comer, tragam-me festa – tragam-me os vossos gestos fora das ânforas que sois nos dias vulgares. Cantai comigo, dancemos. Brindemos à Terra, amada fêmea de férteis seios e opulentas ancas. Vestidos do avesso não escondamos que o nosso corpo é uma história por contar. Troquemos presentes. Sê felizes. O Sol vencerá!





Soares Teixeira – 22-12-2013
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

"TANGO!!" - Soares Teixeira








Vem!!
Vamos dançar!!
Tango!!
Tu, Lua, fêmea de seios siderais
e longas pernas
- a coroação dos lascivos
que por ti ardem até ao verso
da luz nupcial
Eu, miradouro, de pélvis em prece
e longos braços
- a sagração do verbo
que em mim começa e acaba
e o verbo é ser
De lábios a desejar a rosa
vestido a rigor para o nosso incêndio
ajoelho aos teus pés
estendo-te a mão
e puxo o grito mudo que me ofereces
Submeto-te às minhas leis
e o mundo deixa de te ver
Também eu me afasto
da órbita dos instantes
Ah!! Prazer carnal
de sermos absolutos entre os astros
soberanos do ilimite
rebeldia que se oferece aos abismos
que unem e afastam os mistérios
Zeus e Hera!! Espantem-se!!
escandalizem-se, deuses!!
Moralistas do pequeno grão
chamado Terra
gritai e insultai a inacabada loucura
atirai pedras a quem acontece entre os astros
Dobro-te o corpo
instigo-te os músculos
dispo-te a vontade
és minha, Lua!!
Estendes-me até aos confins dos teus gestos
raptas-me de todos os espaços
expões a minha nudez de animal desencarcerado
sou teu, Lua!!
Passam cometas de longas barbatanas
- sorriem-nos cúmplices
Estrelas lançam-nos olhares incandescentes
- as suas pupilas invejam-nos
Mundos em gestação conversam sobre nós
- falam com admiração
Tango!!
Eu e tu!!
Lua!!
sem metafísica, sem drama
sem folha seca ao vento, sem saudade
sem estigma, sem máscara, sem sofrimento
sem intriga atada ao pensamento
sem dias a cicatrizar, sem sonho ao relento
Absurdos perante tudo e coisa nenhuma
fantásticos perante nós
eu e tu, Lua!!
cheio de tango!!
dançamos!!
este tango!!
como dois determinados sinais de pontuação
para além da razão
para além de qualquer explicação
e que nada nem ninguém nos tire isto que somos
dois pontos de exclamação!!
juntos!!
a dançar um tango!!
ao som da imaginação!!



Soares Teixeira – 17-12-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

"FUSÃO" - Soares Teixeira




                                                                                                                Fotografia de Mendes Domingos


Nós, criaturas de silêncio sonhado e grito solar, que desejamos ser desejados e tememos não ser temidos, somos por fora feitos à imagem e semelhança uns dos outros e por dentro portadores da inclemência das galáxias. Carreiro de formigas que se engrossa, somos uma equação cada vez mais complexa, um celeiro de dúvidas cada vez maior, um labirinto de olhares cada vez mais estreito, um ferro cada vez mais quente. E isto assombra e também dói. Assombro de surpresas nuas, dor que em silêncio se entranha no corpo, nos ossos e no nome. Agora faço uma pausa e vou para um lugar mais íntimo, onde permaneço e aí penso que às vezes é bom demorarmo-nos na polpa das palavras pensadas e senti-las como abundância de ar que nos falta, de horizonte que nos espera, de além onde possamos regressar aos pássaros que fortemente julgámos ter sido – e portanto fomos. Longa pausa, quase quebra. Às vezes é bom sermos apenas palmas de mãos, estendidas em conchas para as coisas mínimas. Apetece-me dizer que ao poeta lhe cumpre sentar-se num grão de pó e chamar-lhe astro, e sentar-se num astro e chamar-lhe grão de pó. Apetece-me ainda dizer que ao poeta lhe cumpre ser manto do seu vazio e guardar uma ponta desse agasalho para aconchegar um pássaro a tremer de frio – talvez (quem sabe) se não será esse o tal pássaro que, doce e terrivelmente, julgámos ter sido – e ainda somos. Fui regressando desse lugar mais íntimo e estou no ponto inicial (e isto obviamente é algo que apenas eu posso compreender – o rio é meu, apenas eu lhe conheço as águas, as margens e as grutas). Existir: terrível equação de crianças, terrível geometria de crianças. Rectas, intersecções, curvas, tangentes, logaritmos, algoritmos, exponenciais, diferenciais. Musical matemática a saber a poema. Talvez fingir seja a solução dessa equação. Fingir, não como quem falsifica, dissimula, usa de hipocrisia ou pretende ignorar, mas fingir como quem renasce – um fingir solar. Afasto-me novamente. Pausa. Descobrir o palco e o palco/poema, soletrar fin  gir, fin  gir, até que tudo se resuma ao essencial e à contínua descoberta do essencial – da verdade. Outra máscara porque esta já está envelhecida, de ideias enrugadas. Outra máscara porque esta já não assombra. Outra máscara… a monotonia dói nas velas dos veleiros em mar sem vento… outra máscara. Ser e não ser, o mesmo, outro e além. E de novo regresso.Tantas formigas; engrossam, engrossam o carreiro. Máscaras, máscaras – trouxe-as do meu deambular, atiro-as ao ar. Que caiam, lentamente, e que as apanhe quem quiser. Pergunto a um anónimo que apanhou uma delas: Fingem os poetas porque vêm tanto mau fingir e finge o mundo ser poeta? Oiço responder que sim. Digo-te companheiro: fingimos todos nós, criaturas de silêncio sonhado e grito solar, fingimos ignorar o nada que nos espera. Pobres crianças descalças e de vela na mão. Está escuro?! Melhor fingir que não!



Soares Teixeira – 12-12-2013
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

"BASTA UMA FLOR" - Soares Teixeira








O poema aguarda dentro do instante
que gravita em torno do ser
e às vezes basta uma flor
para que os lábios do ser
pousem nos lábios do poema
e o despertem
e isso aconteça por amor

Uma flor apenas pode bastar
uma flor a voar na retina
e beijada com o olhar certo
Uma flor sem nome
a crescer por trás de uma pedra
Uma flor frágil quase indecisa
exilada dos dias
Uma flor com vontade de resistir
Apenas isso
sem veemência de paisagem
sem olhar de pássaro
sem amplexo de vento
apenas isso
apenas uma flor
não achas meu amor?

Apenas essa flor pode bastar
para que relâmpagos se ergam do mar
e peixes dourados nadem em lagos lunares
e salinas cantem os mistérios dos átomos
e florestas irrompam de uma rocha
e tigres corram em gestos por acontecer
leve e breve essa flor pode bastar

Não achas meu amor
que apenas uma flor basta
para alguém ser maior?



Soares Teixeira – 08-11-2013
(© todos os direitos reservados)



quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

"RECOMEÇAREMOS" - Soares Teixeira








Recomeçaremos
das granadas de lágrimas
que nos explodem no peito

Disso podem estar certos!

Recomeçaremos
das espigas
que se ocupam em queimar
com o ácido do medo
Recomeçaremos
das águas que envenenam
com o vómito da mentira
Recomeçaremos
do horizonte que apagam
com o hálito da chantagem

Disso podem estar certos!

Recomeçaremos
do terramoto
da vossa tirania
Recomeçaremos
do pântano
do vosso cinismo
Recomeçaremos
da lepra
da vossa arrogância

Disso podem estar certos!

Recomeçaremos
dos muros que derrubam
e são a nossa vida
Recomeçaremos
das vinhas que arrancam
e são a nossa esperança
Recomeçaremos
dos sinos que quebram
e são a nossa liberdade

Sim!
Recomeçaremos!
Disso podem estar certos!



Soares Teixeira – 05-12-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

"CARTA INACABADA A RIMSKY-KORSAKOV" - Soares Teixeira








Estou-me a ferir com música e sorrio de prazer. É bom sentir a pequena gota de emoção escorrer para o mundo. Invejo-a, invejo a minha pequena lágrima. É bom o belo. Oiço-a…sempre inicial… sempre íntima. Oiço-a… a música onde revivo o que vivi – pássaro, peixe, chaga, chama, chamamento. A música que tanto ouvia no mar que me vazou e encheu. Há lugares em que cada segundo é um poema dito muito devagar. Nalguns desses lugares pergunto-me a que distância estou da próxima estrada, da próxima esquina, da próxima casa, do meu corpo. Duas horas? dois minutos? Dois segundos? Há lugares assim; sendo não-lugares existem tão fortemente que se tornam mais reais que a vulgaridade do lugar ocupado pela âncora do ser – o corpo. Estou num desses lugares – e quero estar! Não sei quanto tempo me separa do ofício de voltar a ser eu; carnal, esculpido pelos meus passos. Dezembro, noite. Aqui, no convés do meu navio, sou um eu sem identidade e o meu pensamento é nudez de azul na distância – só isso. Oiço-a… a música onde balanço, a música onde me vejo e de onde me vejo, a música que me projecta e de onde me projecto. Ah… liberdade de ir com as formigas do tempo e de me infiltrar entre as ervas do mistério. Ah… prazer de sentir os perfumados óleos de enigma, que amorosamente recolho na taça em que me tornei. Abre-te! Rasga-te! Ordeno-te – abre-te fruto ausente! Obedece ao grito agudo e longo! Dentro de mim há luz por todos os lados, mais intensa ainda que a deste Sol a dizer que o dia está a começar. Cada onda está a meio caminho entre o princípio e o fim e todas escrevem uma carta inacabada. Ondulam algas, voam pássaros, céu sem nuvens. O navio vai, e eu vou com ele. Música… alegria… núpcias com o belo… dor de ti, belo. Água; mãe dos cânticos, filha do azul. Água; baptismo dos instantes, que me fazes sentir aparição, que me fazes sentir que nunca fui quem julgava ser. Água, que me perguntas tanta coisa, as tuas perguntas vão até aos meus locais mais sombrios, àqueles onde há demasiado musgo, mesmo àqueles que já são fragmento; tento-te responder, tento, mas como tu sou a escrita de uma carta inacabada. Ondas… navio…agora este violino, depois a orquestra, de novo o violino, olha a harpa, olha as flautas, os violoncelos, os clarinetes, trompas e trompetes, a percussão e todos, todos estes instrumentos - tantos, tantos peixes, todos a brilhar, neste mar, nestas ondas; serenas , solenes e trágicas. A que distância estou de mim? e da próxima ilha? Que dor de belo, que infinito a viver o meu instante, que eternidade a sonhar este meu oceano musical. Água feita de música - intimidade, unidade, ebriedade, majestosa delícia do amplo que me amplia. Rimsky-Korsakov, só tu me entendes não é verdade? Ah, meu irmão, como amo a tua Scheherazade. Para ti esta carta inacabada. Um abraço afectuoso do teu José.





Soares Teixeira – 03-12-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

"AO LER UM POEMA" - Soares Teixeira








Ao ler um poema
de que é feita a minha matéria
enquanto caminho
entre as palavras
que me recebem?
não sei
enquanto habito o poema
não habito o corpo
e se por acaso habitar o corpo
é para comer viagens
como se fossem uvas
Ao ler um poema
sou resposta
a uma voz que me chama
e ergo-me
como árvore
que abandona a planície
e vou
vou abraçar as palavras
sabendo que assim agradeço
a quem as escreveu
o poeta
esse cavaleiro
com armadura de ausência
escudo de silêncio
e espada de grito

no alto da montanha
onde os meus ramos
renascem da asa do poeta
o meu espírito
solenemente recebe
o arado da distância
e é nesse sulco
que um cometa deposita
a incandescente semente
da música dos meus astros




Soares Teixeira – 25-11-2013
(© todos os direitos reservados)

sábado, 23 de novembro de 2013

"ACREDITO" - Soares Teixeira







Acredito no cântico das sereias lunares
acredito na barca de luz que nos visita
acredito na gravidez da Terra
acredito na folhagem do nosso corpo

Acredito no que as aves me dizem
acredito nos olhares meigos das flores
acredito que as ondas têm tornozelos
acredito que os espaços inventam nomes

Acredito em tudo isso
porque sou matéria de mistério
porque sou pulsação de enigma

Acredito em tudo isso
porque sou ferida aberta na razão
porque essa é a minha condição

Por isso as minhas pálpebras
não se cansam de conversar
com os astros que me fazem voar




Soares Teixeira – 22-11-2013
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

"POEMA A QUATRO MÃOS" - Soares Teixeira




                                                         Fotografia de Mendes Domingos




Entre mim e o horizonte
há um poema a quatro mãos
e é azul o gesto que chama pelo gesto
e é azul o olhar que atravessa o instante
e há golfinhos e albatrozes
que acreditam que o mundo é sagrado
e há nuvens e ventos
que dançam a dança da secreta solenidade
e há promontórios no peito
que são veleiros a quatro mãos

Templos de claridade
colunas de espigas
pátios de princípio
paredes de eterno
abóbadas de flautas astrais
convoca-vos o meu peito de astrolábio
escutem-me
sou múltiplo na minha ânfora
e átomo perdido na vossa arquitectura
mas procuro   procuro   procuro

Procuro a viagem sempre futura
de um tempo que me respira
e sou o que estou e o que vou
num existir a quatro mãos
que se procuram   procuram   procuram
mesmo quando me encosto a um muro
mesmo quando me leva uma folha de outono
Por bagagem apenas transporto aquilo que sei
sei que estou aqui e no horizonte
sei que sou um rio a quatro mãos




Soares Teixeira – 21-11-2013
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"SAIBAM HIENAS" - Soares Teixeira







Saibam hienas que não me importo de viver na selva. Se é isso que querem, muito bem. Mas devo-vos avisar que não sou dócil. Se a minha sombra vos parecer um vago rosto de silêncio saibam que a sua cabeça em chamas se ergue sobre os martelos que a rodeiam. Meter as mãos nas algibeiras da palavra e gastar-me dentro dos meus segredos, como aquário a flutuar no vento? isso não é pão que me alimente. Saibam hienas que não sou mais um dos vossos dias, o que sou é mais uma curva do meu rio. Arco quebrado a respirar folhas mortas? As vossas mentiras não destroem a minha arquitetura; há catedrais no meu pescoço, pontes onde o meu gesto principia, estádios onde o meu sangue galopa. Existam nos olhos dos répteis que vos seguem como esquinas de trapos, existam no rastejar dos insetos que vivem para vos sorrir cegamente – em mim são crânios a rolar no deserto; é assim que vos vejo. Desculpem se tropeço na minha lucidez e caio para o lado oposto das vossas patas, é intencional, gosto de cair nas madrugadas e nas gotas de orvalho. É verdade que às vezes sou amável perante as facas que tentam disfarçar. Que hei-de fazer? É esta a minha forma de vos dar coices. Aos unicórnios exige-se uma certa elegância.





Soares Teixeira – 14-11-2013
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

"EM NOITES DE LUA CHEIA" - Soares Teixeira







Em noites de Lua cheia
transformo o instante numa caixa
onde guardo o tempo
sento-me sobre esse fácil ilimite
molho bolachas de certeza
em leite de dúvida
e como-as muito devagar

assim…
alimentando o embrião
de um ser por acontecer
recomeço-me cá dentro
e no meu corpo cresce um universo
e no meu sangue abrem-se pupilas
e nas minhas veias vibram pétalas e asas

leve…
entrego-me àquele que estou a gerar
filho e pai
da palavra e da unidade
do princípio e do fim
depois renasço-me
alfa e ómega de mim



Soares Teixeira – 08-11-2013 – 12h:56m
(© todos os direitos reservados)

sábado, 2 de novembro de 2013

"DENTRO DE CADA UM DE NÓS" - Soares Teixeira








Dentro de cada um de nós há uma Lua que nos observa com olhar de antiquíssima fêmea fascinada com os nossos instantes. Ouvem-na respirar dentro do vosso peito? ela está lá, escondida e atenta - às vezes brilha, cresce, agiganta-se. Que nome lhe havemos de dar? razão... ideia… palavra... não sei. Talvez mergulhando dentro destes nossos lábios possamos ir ao seu encontro - olhá-la olhos nos olhos     sentir-lhe o cheiro      escutar o som dos seus passos      tocar-lhe no corpo      beber do seu leite. Depois podemos construir um barco de papel nele colocar a candeia transparente que não sabíamos ter na mão e ir pelo nosso primordial mar interior - ir, ir, ir – viver as mais improváveis navegações, sem nos querermos embriagar na descoberta de nós mesmos mas pressentindo que isso pode acontecer; olha! a infinita flor que nasce no corpo da sílaba, olha! a respiração das distâncias intactas dentro de novos pássaros, olha! a página a renascer do reino das veias, e ali olha! aquela resina de palavra antiga, ah! e além? vês? aquele vibrar de pálpebras… parecem revelar ancestrais pupilas nos andaimes do tempo, parecem as triunfais rosas leves que levam a beleza aos sonhos, aqueles sonhos de gente como nós, gente que se calhar éramos e seremos nós, gente de aquém e além agora. Agora… que é isso? Que significado tem? Neste percurso que iniciámos ao mergulhar dentro dos lábios, o que representa o agora? Agora fazemos nossa a carne dos espaços onde há e não há matéria, agora fazemos nosso o sangue que o tempo derrama no silêncio, agora fazemos nosso o prazer de consentir que as manhãs dos amanhãs acontecidos e por acontecer nos espreitem, agora confundimo-nos com a orla de todas as imanências e de todos os improváveis, agora somos a unidade e por isso somos também aquela Lua que nos observa com o seu olhar de antiquíssima fêmea fascinada com os nossos instantes. Sejam vocês mesmos - diz-nos ela – sejam vocês mesmos continuamente entornados como trigo a cair da ânfora que seguro nos braços. E então um novo pássaro descobre um atalho e todo o nosso corpo - mesmo o não adivinhado - e toda a nossa alma – mesmo a não adivinhada – sai dos nossos lábios num novo retorno, um retorno em palavra, palavra aberta; aberta como a flor do Hibisco.





Soares Teixeira – 02-11-2013
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 29 de outubro de 2013

"DÁ-NOS..." - Soares Teixeira








Dá-nos horizonte o aroma da abelha que em ti é sílaba de matutino feitiço, dá-nos distância a cor da romã que nos promete a palavra a brilhar na água dos instantes, dá-nos árvore o verbo - e que o verbo seja querer e que as tuas raízes estejam no nosso peito e que delas irrompa o mais marinheiro de todos os gritos. Dá-nos leveza do ar a margem onde vai beber o jovem tigre que nos corre nas veias, dá-nos dor de sermos trigo na tempestade o pão de música com que alimentamos a espera, dá-nos chuva o corpo que procuras – e que esse corpo seja aquele que também nós procuramos dentro de cada uma das nossas veias e na polpa de cada desejo; sim ele está lá. Dá-nos pomba inicial a espada viva dos nossos pulsos, dá-nos insondável fronteira a pedra para colocarmos o cálice que o sol no entregou, dá-nos porta de nós mesmos a vertigem de sermos nome no celeiro da liberdade; sim nós somos nome.




Soares Teixeira – 28-10-2013
(© todos os direitos reservados)

 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"LIFETIME PARTNER" - Johnson Tsang






Artist: Johnson Tsang.

Lifetime Partner-Porcelain cup and saucer.H:17cm.2009
Finalist, The 12th Carouge International Ceramics Competition 2009, Switzerland.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

"OS POETAS" - Soares Teixeira







Os poetas estão no arbusto da palavra
a primavera sabe-o
os poetas estão no cheiro do feno
a terra sabe-o
os poetas estão no noturno cântico das montanhas
a lua sabe-o
Bago a bago
pássaro a pássaro
duna a duna
os poetas vão pelos caminhos dos seus olhos
alimentam-se das palavras que encontram nos frutos
guiam-se pelas asas que os procuram
perdem-se pelos desertos a que entregam os passos
vão      os poetas
mapas sem dimensão
instrumentos sem peso
espaços sem medida
luz salgada dos oceanos espelhados
vão      os poetas
excesso de tudo o que sobra
de tudo o que falta
de tudo o que já não existe
grito do futuro contra o muro do agora
vão      os poetas
confidentes dos bosques e dos insetos
crianças enfeitadas com a música das manhãs
adivinhos de romãs ao pescoço e navios nos pulsos
pintores de astros nas vértebras dos dias
vão      os poetas
vivos vulcões com terramotos nas veias
súbitas acácias a festejar a luz
relâmpagos a morder o pescoço da noite
coelhos a saltar nas nuvens
vão      os poetas
sorriso madrugada eco carícia madressilva
colina pergunta pedra chuva casa medo
trigo sexo gume poeira praia pão
fechadura chave palavra poema liberdade
vão      os poetas

Os poetas são a sua condição
que é ir
simplesmente ir
por dentro de si mesmos
a cada instante morrendo e renascendo
da sombra que a sílaba faz luz
das cúpulas do vento das nascentes do ar
da espantosa claridade da viagem
ir
simplesmente ir
viajar no mistério que espreita por detrás da palavra
ir
simplesmente ir
ao encontro de algo ou de alguém
a que possam simplesmente
dar a mão



Soares Teixeira – 23-10-2013
(© todos os direitos reservados)

domingo, 20 de outubro de 2013

"O COLAR" - Soares Teixeira

 
 
 



Sobre a pele apenas trazias
um colar de gotas de água
bebi-as uma a uma
e os meus lábios eram
os de um bezerro antigo
sedente
e ávido por quebrar
o fio do tempo
Depois
veleiro com casco de hoje
e proa de amanhã
naveguei
pelo teu fremente abandono
até que chegou o sagrado instante
em que me tornei repuxo
e o teu corpo foi o meu céu
e a minha força vital
alcançou os teus mais íntimos astros
Quando ficámos lado a lado
de mãos dadas
deitados sobre a relva
fresca e matinal
os nossos dedos
foram felizes migalhas
oferecidas aos pardais

 

Soares Teixeira – 19-10-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

"CONTINUAREI" - Soares Teixeira







Continuarei o desencontro
entre este leite de silêncio
que alimenta
a ausência do instante
e              o furor do peixe
a espalhar caos e excesso
por entre anémonas
que desconhecem outros mares

Continuarei ânfora de encantos
encostada à lendária árvore
da lendária ilha
algures no navio dos séculos
e              sol a beijar
a festa dos meus dias
celebrada nos telhados de templos
poisados nas pálpebras dos promontórios

Continuarei a respirar
a névoa de espelhos longínquos
que ondulante
me acaricia os lábios
e              a rasgar os caminhos
com o meu bafo de touro de bronze
as minhas garras de tigre alado
as minhas patas de centauro esfomeado

Continuarei
enseada e navegação
solidão e sextante
círio e relâmpago
chão e asa

Aqui e aos ombros de todo o lado
Continuarei
boneco de corda dentro de caixa de cristal
arlequim a sacudir as grades da vida
intacto no todo e também em cada bocado
Continuarei
assim mesmo
com duas janelas no peito
duas portas nos joelhos
e um outro que sou eu
nas veias onde vou semeando
aquele que há-de nascer
Continuarei
até quando?
não sei
talvez até outro alvorecer



Soares Teixeira – 16-10-2013
(© todos os direitos reservados)

"O MEU CAMINHO" - Soares Teixeira








Negro, és hóspede do pensamento. Talvez quilha de navio a sulcar a superfície da consciência. Lá em baixo anémonas e corais ondulam no olhar. Alguns peixes também. No reino das estátuas submersas há harpas mudas no cimo de precipícios e ânforas a espalhar azeite destinado a oferendas. Ondulam reflexos de espelhos atravessados por segredos desterrados. Algas enrolam-se à aliança que atravessa o oceano que existe entre as têmporas, que existe entre o horizonte e o mito, que existe entre o nome e a máscara. Solenidade do vazio que regressa à ausência, touro que procura a raça que habitou as primeiras grutas, antiquíssimo porto de manhãs libertas do tempo. Enfeitados de negro os braços penetram no interior do corpo onde tudo é ferozmente íntimo, onde os ossos são mastros de veleiros sem nome, onde o sangue é o eterno meio-dia de um céu sem gaivotas, onde a carne é uma superfície líquida com enseadas no gesto, e onde os músculos são salas de palavras ditas e de palavras não ditas. Diz-me o teu nome para te nomear, negro. Diz-me, negro, o que prometes e de que geografia é feita a tua túnica, a túnica que vestes na tua boda, na boda que celebras com os que aceitam o teu abraço. Se não me disseres como te chamas, se não me disseres uma palavra que seja, então a hora é minha. Subirei os meus degraus de interrogação até que eles se tornem certeza, subirei depois – de uma forma que só eu sei - ao vértice de mim mesmo. Uma última vez chamarei por ti. Uma última vez. Então, se a esse chamamento derradeiro não me responderes, dar-te-ei um nome, dar-te-ei um rosto, e prestar-te-ei culto. Essa é a minha vingança, o meu caminho para os astros.



Soares Teixeira – 14-10-2013
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

"É SEMPRE BOM UM DIA DE SOL INESPERADO" - Soares Teixeira

É sempre bom um dia de sol inesperado; o ar recupera a sua vontade de nos tornar leves e nós recuperamos a vontade de ser seiva dos instantes. É sempre bom sentir a inesperada face de um azul de início e deixar olhares redondos nas coisas simples, que mostram a sua nudez a um sol de Outono que veio de visita. Nesses dias – porque são dias inesperados - os braços mostram a sua condição de pássaros e as pernas a sua vocação musical. É bom caminhar assim, de braço dado com a claridade em que ficamos. Já há folhas a cair das árvores; apanhamo-las com o olhar e fazemo-las obreiras do pensamento. Uma curva, uma pirueta, uma linha recta, uma espiral, agora uma breve brisa e uma ascensão, finalmente a viagem termina e a folha fica tapete à porta do instante. Nesses dias de sol a surpreender as pálpebras apetece não apetecer nada, porque ao sol lhe apeteceu fazer tudo o que nos apeteceria em nós fazer: brilhar inesperadamente.




Soares Teixeira – 07-10-2013

(© todos os direitos reservados)

sábado, 5 de outubro de 2013

"MEU TEJO" - Soares Teixeira








Tejo 
és feliz
corres pelo meu país

Tejo
meu rio
de distâncias a começar
Tejo
meu rio
de alma a sonhar
minha alma
de sonho a navegar
Tejo
meu rio
de barcos a beijar o luar
de barcos de proa solar
de barcos sem pressa nem vagar
de barcos a cantar
Tejo
que abraças
a cintura das manhãs
como se elas fossem
as tuas cortesãs
Tejo
que guardo
sempre
na algibeira do olhar

Tejo
como te invejo
beijas Lisboa que nasceu para o mar


Soares Teixeira – 05-10-2013
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

"ACONTECEU" - Soares Teixeira








Habituámo-nos à planície do nosso olhar
e assim caminhámos
paralelos à luz de onde íamos amanhecendo
até que um dia os pássaros beberam
todos os nossos instantes
e as nossas horas caíram tão subitamente
que até o passado nos surgiu como uma taça feita de erro

Agora somos papel de parede descolado
ambos o sabemos
mas nenhum de nós tem coragem de deixar as paredes nuas
e depois
como iríamos viver a nossa separação?



Soares Teixeira – 03-10-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

"NO CONVÉS DA SOLIDÃO" - Soares Teixeira








Magoa
esta distância
com olhos de mar
este crescer de ondas
de altas proas
estas facas de vento
a cortar o rosto

Mas pior é o Homem
Que dizer desse oceano
sempre atormentado
que em si esconde
os ácidos infernos
da inveja e da traição?
Mágoa!



Soares Teixeira – 02-10-2013
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

"PORTUGAL" - Soares Teixeira








Silenciei o gesto com que me assombrei
Diante de mim o mar
como se fosse eu próprio aquela imensidão

Sentei-me numa rocha
e os meu cabelos partiram com o olhar
com eles foram as minhas mãos os meus braços
os meus pés as minhas pernas
os meus ombros e o meu peito
por fim foi a cabeça
ficou a boca      
sílaba a sílaba a percorrer futuro



Soares Teixeira – 30-09-2013
(© todos os direitos reservados)

sábado, 28 de setembro de 2013

"SABES ROSA..." - Soares Teixeira








Sabes rosa…
na tua presença
sinto-me um amanhã que fui
e um passado por acontecer

Estou nas ancas das sereias
nas ogivas de catedrais sem nome
nas crinas de um potro lunar
nos saltos de uma rã sideral
estou também na taça que não ergo
a esta manhã encharcada de luz
e na colmeia de onde não retiro
o mel deste meu instante

És tu rosa
plena e serena
que ao me observares me fazes sentir
este vinho a brotar da pedra imaginária
És tu rosa
meiga e mística
que celebras a flor que em mim despertas
E eu, rosa
fico a roda imóvel em que me transformas



Soares Teixeira – 28-09-2013
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 24 de setembro de 2013

"E TODOS ARQUEÁMOS OS NOSSOS CAULES" (a António Ramos Rosa) - Soares Teixeira







E todos arqueámos os nossos caules
quando soubemos que o poeta tinha morrido
e em silêncio os ventos e os búzios
solidários e tristes
encostaram as cabeças ao nosso abandono
foi então que o pássaro da palavra
sobrevoou a pausa em que ficámos
e todas as nossas pétalas de girassóis do além
se ergueram na direcção do astro
do nosso contentamento
porque na sua luz se podia ler:
“Estou vivo e escrevo sol”


Soares Teixeira – 24-09-2013
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

"OLHA ÁRVORE!" - Soares Teixeira








Olha árvore!
a lua está de novo cheia
Esta é a nossa noite
é noite de irmos beber água das fontes
de corrermos de ramos abraçados
e de nos amarmos
como sílabas da mesma palavra
e que seja amor essa palavra
e que seja urgência esse amor
Abraça-me!
é tanto o que temos para conversar
é tanto o que de mim possuis
é tanto o que de ti eu sou
Esta é a noite
em que somos perfeitos
no aconchego do plenilúnio
Esta é a noite
em que nos olhamos
à claridade do frondoso silêncio
onde nos alongamos em sonho
Oh meu amor!
quero-te tanto
sem ti o luar estaria vazio de pássaros
e a minha alma sem orvalho nem alegria
Vamos árvore!
vamos celebrar a noite
como dois peixes
livres
a deslizar na respiração das promessas



Soares Teixeira – 18-09-2013
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

"ARRANCO A PELE DO CORPO" - Soares Teixeira







Arranco a pele do corpo
e sacudo o pó do instante
Só alma
deixo que o horizonte passe os dedos
pelo meu olhar e o sinta
como a primeira penugem dos pêssegos
Fora de mim estão milhões de anos
e cá dentro quantas sílabas roubei ao universo?
Neste momento não ouso dizer uma palavra
receio que os meus lábios me devolvam
a este lugar onde não estou
Sou teu manhã
estou na salvação da tua luz
e na desordem das ondas do mar
de onde se solta um som de louvor ao sol
que escreve todos os instantes que sou
e os que ficam à porta de mim
no secreto pátio dos sonhos
que só o mar conhece



Soares Teixeira – 16-09-2013
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

POESIA HAICAI ( 11 a 20 ) - Soares Teixeira







11

Banco de jardim
Sentado na memória
Como uma pessoa


12

Abraçado ao pássaro
O olhar voa
No azul da respiração


13

Estrada sem fim
A passar
Dentro de mim


14

Na primavera
Os troncos das árvores
Têm braços maiores


15

Queda de água
Violência viva
De som vertical

16

Pelo espaço infinito
Pelo tempo infinito
O frondoso efémero


17

Quintal adormecido
Silêncio cortado
Pela vontade das rãs


18

Na curva da onda
A curva que a espuma
Desenha na praia


19
 Sobre as pegadas das gaivotas
Crianças a voar
Ao som do mar


20

Nuvem de verão
Como pássaro que sou
Na minha ilusão




Soares Teixeira - 01-08-2013
(© todos os direitos reservados)

domingo, 28 de julho de 2013

"DIGO-TE ILHA" - Soares Teixeira



(Imagem retirada da Interet - neurónios)




Digo-te, ilha
Sou das palavras que me abrem as pálpebras
Sou da música que me humedece os lábios
Sou da liberdade que me estende os braços
E estou em todos os caprichos das árvores
Sou dos dedos do incrível
Sou de todas as cores que têm de ser ditas
Sou da intimidade do espanto
E estou em todos os ângulos com que o mar olha as rochas
Pertenço a um promontório pouco nítido
Pertenço ao mistério de uma gruta lendária
Pertenço a um mapa de rotas imprecisas

Ilha sempre por descobrir
que atravessas o azul onde sou frontal aos dias
Ilha cercada de caminhos e segredos
que emerges da minha inquietação
Ilha de instantes libertos do tempo
que partilhas o mar dos meus sonhos

Digo-te, ilha
Sou do mar sou das espigas
Sou das montanhas sou dos mitos
Sou dos abismos sou dos pinhais
Sou dos astros e das formigas
Sou dos pátios sou dos gritos
Sou das feras e das cantigas
Sou o recado que transporto nos pulsos do meu amanhã
Sou o jardim da minha carne a receber o alvoroço das viagens
Sou a distância de que é feito o navio do deslumbramento

Ilha que emerges
da minha aliança com o horizonte
Ilha que respiras
ao ritmo do meu peito
Ilha que sou eu
a rolar dentro de mim
nesta vida que me aconteceu

Digo-te, ilha
Sou a dança com que te celebro e o cântico que te responde
Sou as sílabas e o vento com que desenhas a minha forma
Sou a criança de unidade neste mundo que vamos sendo



Soares Teixeira – 27-07-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

POESIA HAICAI ( 1 a 10 ) - Soares Teixeira






1

Demora-se o pássaro
Que se descobre no lago
Voa dentro da imagem


2

Mar que se estende
Azul que voa
Ave que me entende


3

Praia de areia adormecida
Que os passos
Fazem acordar para a vida


4

A espuma e a rocha
De mãos dadas
Como os nossos olhos


5

As aves voam
Recordando a água
Dizem os peixes


6

A porta abre-se
Instantes suspensos
Das traves do tempo


7

No perfume da rosa
Cabe o jardim
E as palavras nele ditas


8

O espinho atravessa
A alma da rosa
E dói dentro do olhar


9

A borboleta e o poema
São iguais
Dentro das suas asas


10

Noite serena
Lua cheia
Até ao céu da boca




Soares Teixeira - 24-07-2013
(© todos os direitos reservados)

domingo, 21 de julho de 2013

"A PEQUENEZ" - Soares Teixeira







A pequenez senta-se na sua imensa poltrona de vaidade
respira fundo o sol da sua aparência
e alimenta-se do seu próprio discurso
são assim os ditadores do quotidiano
são assim os que vivem em permanente entrada triunfal no seu ego
são assim os que vivem o permanente êxtase da ascensão da sua auto-estima
os que acham que os seus pensamentos são a matéria-prima dos instantes
os que acham que os seus gestos são gorjeta para a condição alheia
os que acham que todos os seus caprichos são absolutamente naturais e reservados aos escolhidos
na grande selva humana são hienas
mas no seu íntimo sabem que jamais terão a nobreza do tigre
por isso no fundo do seu estreito corredor cerebral contorcem-se num choro abafado sozinhos e em silêncio
por isso a sua tirania
por isso a sua pequenez
por isso o seu cinismo e cobardia



Soares Teixeira– 21-07-2013

(©todos os direitos reservados)