quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"SAIBAM HIENAS" - Soares Teixeira







Saibam hienas que não me importo de viver na selva. Se é isso que querem, muito bem. Mas devo-vos avisar que não sou dócil. Se a minha sombra vos parecer um vago rosto de silêncio saibam que a sua cabeça em chamas se ergue sobre os martelos que a rodeiam. Meter as mãos nas algibeiras da palavra e gastar-me dentro dos meus segredos, como aquário a flutuar no vento? isso não é pão que me alimente. Saibam hienas que não sou mais um dos vossos dias, o que sou é mais uma curva do meu rio. Arco quebrado a respirar folhas mortas? As vossas mentiras não destroem a minha arquitetura; há catedrais no meu pescoço, pontes onde o meu gesto principia, estádios onde o meu sangue galopa. Existam nos olhos dos répteis que vos seguem como esquinas de trapos, existam no rastejar dos insetos que vivem para vos sorrir cegamente – em mim são crânios a rolar no deserto; é assim que vos vejo. Desculpem se tropeço na minha lucidez e caio para o lado oposto das vossas patas, é intencional, gosto de cair nas madrugadas e nas gotas de orvalho. É verdade que às vezes sou amável perante as facas que tentam disfarçar. Que hei-de fazer? É esta a minha forma de vos dar coices. Aos unicórnios exige-se uma certa elegância.





Soares Teixeira – 14-11-2013
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