terça-feira, 31 de março de 2015

"JARDIM DO PRODÍGIO" - Soares Teixeira





Demorar a rosa
no silêncio do corpo
que em rio
a recebe
deslizar com a flor
ser cisne
no fresco incêndio
da pele
ir
do alvoroço
ao beijo leve
e de novo
à ardente altitude
da cascata
gravitar dentro da posse
que é possuir
e entregar

Tudo o resto
árido
só nós
jardim do prodígio
a beber feliz
a chuva do amor



Soares Teixeira – 31-03-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 30 de março de 2015

"PAISAGEM MARÍTIMA" - Soares Teixeira





No mar
o ar
respira fundo
o horizonte
tem sede
e bebe distância
uma ave
inaugura o instante
e vai
o resto
é a forma
que o Sol
dá às coisas
por si inventadas
e que só ele conhece

as ondas nadam
como lhes apetece
as suas costas tocam
no tempo sem tempo
da noite e do dia

um poeta
deixa-se acontecer
nos ventos de ninguém



Soares Teixeira – 30-03-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 29 de março de 2015

"CIGARRAS" - Soares Teixeira



(Imagem: Wikipedia/Brocken Inaglory/Creative Commons)


Rola silêncio no jardim
lenta frescura na polpa do ar da noite
tudo dorme
estará abandonado a si mesmo?
sente-se uma ausência de deuses
estarão talvez reunidos em concílio
ou mesmo a descansar

no céu
uma facilidade de portas entreabertas
é fácil
com um leve movimento de dedos
abri-las de par em par
entrar
e sentir o olhar ardente
de milhões de astros
de braços estendidos para um corpo
que ascende
como trepadeira sem matéria

fácil
é fácil o céu
quando os deuses estão ausentes
nada de ventos de lanças
nada de vontades opacas
apenas umas cigarras em cada estrela
enviadas pela Terra como presentes



Soares Teixeira – 29-03-2015
(© todos os direitos reservados)

sábado, 28 de março de 2015

"MEDITAÇÃO" - Soares Teixeira





Às vezes gosto de estar
na serenidade que sinto sobrar
das coisas simples
e suavemente deixo-me renascer
na flor que entra dentro de mim
no céu que me fala sem palavras
ou muito simplesmente
no rio que corre da nascente
para o silêncio
eu

É bom este não desejar mais nada
para além da nitidez da tranquilidade
e deixar o falso cristal da realidade
onde o engano é tanto
que parece transparente aquilo que é baço
e cansa saber que afinal não se conhece
quem se julga conhecer

Por isso me sinto bem
na entrega às coisas puras
como a água e o ar
por onde às vezes gosto de caminhar
lentamente
levemente
como um princípio
sempre assim mesmo
princípio apenas
inicial
banal
e onde está intacto tudo aquilo
que fertiliza o Ser



Soares Teixeira – 28-03-2015
(© todos os direitos reservados)