Enquanto o espaço não nos recupera, recuperemos - a cada
amanhecer - o perfume do trigo que somos. Chegará o dia em que sacudiremos os
nossos ramos e não os veremos, Olharemos depois o nosso corpo, espantados, e
perguntaremos pelas crinas, pelas asas, pelas ondas, pela chuva, pelo vento,
pelo vulcão; por tudo aquilo que era a nossa matéria. E agora? Perguntaremos ao
nos vermos despojados da metamorfose do quotidiano e do sentir. E agora? Que
sou eu sem corpo? Sem aquele corpo que me fazia ser múltiplo, não apenas em
pensamento. E agora? Os ossos; a carne; a pele; o gesto e o gosto da vontade concretizada,
onde estão? Enquanto o espaço não nos reclama, reclama-nos a intimidade de tudo
o nos observa, como se fossemos uma porta por onde é suposto entrar. Cumpre-nos
saber abrir essa porta e saber fechá-la – consoante as circunstâncias. É certo
que a maçaneta nem sempre é fácil, por vezes mete medo, queima e deixa ferida,
morde e deixa a carne exposta. Mas é esta intimidade que nos dá ímpeto bastante
para termos ramos, crinas, asas, ondas, chuva, vento e vulcão, em cada célula
do sol que habitamos e da lua onde sonhamos.
Soares Teixeira – 12-07-2013
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