domingo, 28 de julho de 2013

"DIGO-TE ILHA" - Soares Teixeira



(Imagem retirada da Interet - neurónios)




Digo-te, ilha
Sou das palavras que me abrem as pálpebras
Sou da música que me humedece os lábios
Sou da liberdade que me estende os braços
E estou em todos os caprichos das árvores
Sou dos dedos do incrível
Sou de todas as cores que têm de ser ditas
Sou da intimidade do espanto
E estou em todos os ângulos com que o mar olha as rochas
Pertenço a um promontório pouco nítido
Pertenço ao mistério de uma gruta lendária
Pertenço a um mapa de rotas imprecisas

Ilha sempre por descobrir
que atravessas o azul onde sou frontal aos dias
Ilha cercada de caminhos e segredos
que emerges da minha inquietação
Ilha de instantes libertos do tempo
que partilhas o mar dos meus sonhos

Digo-te, ilha
Sou do mar sou das espigas
Sou das montanhas sou dos mitos
Sou dos abismos sou dos pinhais
Sou dos astros e das formigas
Sou dos pátios sou dos gritos
Sou das feras e das cantigas
Sou o recado que transporto nos pulsos do meu amanhã
Sou o jardim da minha carne a receber o alvoroço das viagens
Sou a distância de que é feito o navio do deslumbramento

Ilha que emerges
da minha aliança com o horizonte
Ilha que respiras
ao ritmo do meu peito
Ilha que sou eu
a rolar dentro de mim
nesta vida que me aconteceu

Digo-te, ilha
Sou a dança com que te celebro e o cântico que te responde
Sou as sílabas e o vento com que desenhas a minha forma
Sou a criança de unidade neste mundo que vamos sendo



Soares Teixeira – 27-07-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

POESIA HAICAI ( 1 a 10 ) - Soares Teixeira






1

Demora-se o pássaro
Que se descobre no lago
Voa dentro da imagem


2

Mar que se estende
Azul que voa
Ave que me entende


3

Praia de areia adormecida
Que os passos
Fazem acordar para a vida


4

A espuma e a rocha
De mãos dadas
Como os nossos olhos


5

As aves voam
Recordando a água
Dizem os peixes


6

A porta abre-se
Instantes suspensos
Das traves do tempo


7

No perfume da rosa
Cabe o jardim
E as palavras nele ditas


8

O espinho atravessa
A alma da rosa
E dói dentro do olhar


9

A borboleta e o poema
São iguais
Dentro das suas asas


10

Noite serena
Lua cheia
Até ao céu da boca




Soares Teixeira - 24-07-2013
(© todos os direitos reservados)

domingo, 21 de julho de 2013

"A PEQUENEZ" - Soares Teixeira







A pequenez senta-se na sua imensa poltrona de vaidade
respira fundo o sol da sua aparência
e alimenta-se do seu próprio discurso
são assim os ditadores do quotidiano
são assim os que vivem em permanente entrada triunfal no seu ego
são assim os que vivem o permanente êxtase da ascensão da sua auto-estima
os que acham que os seus pensamentos são a matéria-prima dos instantes
os que acham que os seus gestos são gorjeta para a condição alheia
os que acham que todos os seus caprichos são absolutamente naturais e reservados aos escolhidos
na grande selva humana são hienas
mas no seu íntimo sabem que jamais terão a nobreza do tigre
por isso no fundo do seu estreito corredor cerebral contorcem-se num choro abafado sozinhos e em silêncio
por isso a sua tirania
por isso a sua pequenez
por isso o seu cinismo e cobardia



Soares Teixeira– 21-07-2013

(©todos os direitos reservados)

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Laurence Olivier - Hamlet





É-me difícil pensar em Hamlet e não me vir à memória o lendário "Hamlet" de Laurence Olivier. Neste filme de 1948, com direcção, produção e interpretação de Sir Laurence Olivier a Arte atinge níveis estratosféricos.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

"ÀS VEZES O INSTINTO INUNDA O INSTANTE" - Soares Teixeira

Às vezes o instinto inunda o instante com a sua própria claridade. A lógica e a razão abandonam a partitura do ser e a melodia passa a ser tocada com estranhas notas, súbitas e nunca imaginadas. Pode acontecer ficarmos frágeis, balbuciando incógnitas e com os passos do sentir um pouco trôpegos. Estamos habituados a alguma segurança íntima e a alguma firmeza nos lábios – nos de carne e nos do pensamento. Às vezes, porém, acontece olharmos; irmos; estendermos os braços; chamarmos, com a mesma certeza com que bebemos um copo de água, mas… depois essa mesma água torna-nos pântano e afundam-nos em nós próprios, na nossa dúvida. Será? Não será? Acreditar? Não acreditar? Que cada um tome o caminho que lhe for mais fácil; há os incondicionais do acreditar e outros nem por isso. Há certo tipo de incidentes com está máquina falível, que somos, que ficam na memória. Há quem depois venha dizer: “tive uma experiência”, os que dirão:”aconteceu-me uma coisa gira” e ainda os adeptos do: ”com essas coisas não se brinca”. Que tem razão? talvez Hamlet, que nos diz lá do seu nórdico castelo: “Ser ou não ser, eis a questão”.




Soares Teixeira – 15-07-2013
(© todos os direitos reservados)

sábado, 13 de julho de 2013

"COMEÇO DE OLIVEIRA" - Soares Teixeira





(Foto de Stephenjmed)


As longas fitas coloridas
de onde nos desenrolamos
no decurso dos dias
e que nos permitem
respirar as extensões
do olhar e do pensamento
estendem-se e estendem-nos
até ao fim do promontório
que nos foi oferecido

a partir dai
essas longas fitas
cumprida a sua missão
envolvem-nos a face
depois todo o corpo
e recuam
levando-nos até ao íntimo
da distância sempre questionada

no chão do grande poema
numa secreta sílaba do tempo
receberemos a água inicial
e baptizados pelo mistério
de novo nos converteremos
em começo de Oliveira




Soares Teixeira – 13-07-2013

(© todos os direitos reservados)

"ENQUANTO O ESPAÇO NÃO NOS RECUPERA" - Soares Teixeira

Enquanto o espaço não nos recupera, recuperemos - a cada amanhecer - o perfume do trigo que somos. Chegará o dia em que sacudiremos os nossos ramos e não os veremos, Olharemos depois o nosso corpo, espantados, e perguntaremos pelas crinas, pelas asas, pelas ondas, pela chuva, pelo vento, pelo vulcão; por tudo aquilo que era a nossa matéria. E agora? Perguntaremos ao nos vermos despojados da metamorfose do quotidiano e do sentir. E agora? Que sou eu sem corpo? Sem aquele corpo que me fazia ser múltiplo, não apenas em pensamento. E agora? Os ossos; a carne; a pele; o gesto e o gosto da vontade concretizada, onde estão? Enquanto o espaço não nos reclama, reclama-nos a intimidade de tudo o nos observa, como se fossemos uma porta por onde é suposto entrar. Cumpre-nos saber abrir essa porta e saber fechá-la – consoante as circunstâncias. É certo que a maçaneta nem sempre é fácil, por vezes mete medo, queima e deixa ferida, morde e deixa a carne exposta. Mas é esta intimidade que nos dá ímpeto bastante para termos ramos, crinas, asas, ondas, chuva, vento e vulcão, em cada célula do sol que habitamos e da lua onde sonhamos.



Soares Teixeira – 12-07-2013
(© todos os direitos reservados)


"O AMANHÃ ESTÁ DISPERSO NA ETERNIDADE" - Soares Teixeira

O amanhã está disperso na eternidade. A barca já navega, rumo ao seu destino – ao teu destino, Luís. Agora o único som é o do diapasão do mistério. Escuto Mozart, enquanto tento reunir algum entendimento disperso. Aqui as coisas continuam como as deixaste; entre palavras, cordeiros e hienas o mundo continuará a girar. Debruço-me sobre mim mesmo para observar alguns promontórios, alguns arquipélagos, algumas aves marinhas. As ausências podem ser uma espécie de presença forte. Acredito que sim. É bom irmos acreditando nalguma coisa que nos ajude a não estar tão ausentes de nós próprios. A música ajuda. Escuto Mozart. A música é aquela pátria onde todos nos reencontramos. Não é necessário estarmos fisicamente perto uns dos outros para, através da música, apertarmos a mão, sorrirmos, partilharmos o olhar e aceitarmos a intromissão dos pássaros. Não me passa pela cabeça fazer outra coisa senão escrever estas linhas e escutar música. Evidentemente que compreendes. É um concerto de piano, a minha companhia - obviamente piano. Escolhi Mozart por uma razão psicológica e sensorial; preciso de claridade. Há uma certa linha comprida e clara que às vezes se torna necessária, como um fio que nos ajude a chegar a qualquer lado, a sair de um qualquer labirinto ou simplesmente que nos una a algo que está longe mas com uma proximidade latente. Evidentemente que entendes. Dá-me um abraço. Um beijinho à Hermínia, um abraço ao Ricardo. Até um dia.



(singela homenagem a Luís Manuel Sande Freire, que se ausentou deste mundo a 12 de Julho de 2013, aos 80 anos - um grande Amigo)

Soares Teixeira – 12-07-2013
(© todos os direitos reservados)


quinta-feira, 11 de julho de 2013

"LENTO O SOM PROPAGA-SE" - Soares Teixeira

Lento o som propaga-se, quase resto de eco, quase silêncio. Ouve-se ainda, mas muito pouco. Dói. Na planície derradeira, árvores translúcidas ladeiam uma flor de caule quebrado. Aguardam que o tempo vivido seja tempo convertido em novo lírio. Tudo está recolhido dentro de si mesmo, numa ordem própria do destino. O som, talvez de sino, quase desligado da realidade é, contudo, um sulco de arado no sentir. Prepara-se a hora nova, preparam-se as novas águas, prepara-se o reencontro. Uma flauta e um pano de linho estão suspensos, junto da flor no limiar do eterno. Aguardam o momento em que hão-de receber a nudez do espírito. Lento, o som quase não existe, apenas a sua distância nos é frontal. Lento, o som quase se converte num rumor de ondas de um mar desconhecido, a bater no casco de uma barca que aguarda pela viagem. Toda a inteireza do enigma observa o tudo rente ao nada, o nada rente ao tudo. No caule quebrado da flor está um embrião de unidade. Tudo tão frágil. Ainda habitas a matéria, Luís – e amanhã?



Soares Teixeira – 11-07-2013
(© todos os direitos reservados)


terça-feira, 9 de julho de 2013

"O INSECTO VOOU" - Soares Teixeira

O insecto voou. Com ele voou também o olhar que se detivera na pequena criatura. E o instante, suspenso, recomeçou; o insecto voltou a ser uma princesa encantada e o olhar que o olhava viajou para uns lábios com sede de poema. O tempo sorri, enquanto caminha, passeando a sua nudez. Sim, porque o tempo está nu (nunca teve tempo para se vestir). E sorri, porque gosta de estórias em que princesas encantadas olham com os seus grandes olhos de libélula para olhos abertos a outros mundos. Entretanto há uns lábios que se tornam asas, viajam pelas veias e saem pelos dedos; lábios transformados em palavras encantadas que se espalham como pequenas libélulas.



Soares Teixeira – 09-07-2013

(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

"HÁ NAS COISAS VULGARES UMA RARA COR QUE AS ATRAVESSA" - Soares Teixeira

Há nas coisas vulgares uma rara cor que as atravessa. Às vezes a excessiva proximidade não nos permite ver a coluna, apenas a sua sombra. E quantas vezes a essa coluna que não vemos segue-se outra, e a esta outra ainda, e todas elas formam um templo feito à nossa medida, mas do qual não vemos mais do que a sombra de uma coluna - uma única sombra, que nos pode parecer estrangeira. Às vezes vale a pena não guardar o gesto e estender a mão para a sombra que nos observa. Às vezes quando o passado parece ser uma nostálgica sombra derramada pelos passos eis que – rara – surge a cor de uma coisa vulgar que invoca esta coisa vulgar que somos. Às vezes há pessoas invulgares; têm o hábito de não ser estrangeiras perante as flores.



Soares Teixeira – 08-07-2013

(© todos os direitos reservados)

"HÁ SEMPRE UM LÁPIS" - Soares Teixeira

Há sempre um lápis na ponta do grito que desenha uma nova madrugada. Há sempre um lápis de cabeça erguida e braços abertos ao horizonte. Há sempre um lápis numa enseada de futuro. Há sempre um lápis dentro de uma paisagem, ou de uma palavra; à espera dos dedos que habitam o olhar dos inquietos. Há sempre um lápis pronto para ser a viagem dos iniciados na arquitectura das esferas. Houve um lápis em Tebas, houve um lápis em Atenas. E o lápis de Lisboa? Aquele que saiu do Tejo e traçou o jamais imaginado? Há sempre um lápis de veias, sangue e vontade, há sempre um lápis a reinventar o mundo, há sempre um lápis no alimento do Ser. “Sou um vestíbulo do impossível um lápis de armazenado espanto…”, diz Natália Correia. É bom atravessar os dias como um lápis, neles escrever: ar, mar, amar - e por aí navegar. Ir, partir, de noite ou de dia. Ir… porque o sonho não se gasta e se se gastar, temos a poesia para o afiar.



Soares Teixeira – 08-07-2013

(© todos os direitos reservados)

sábado, 6 de julho de 2013

"INCÓMODO" - Soares Teixeira

Incómodo. Há um excesso de pequenez a respirar os meus instantes. Observo-a. Anda por aí a sobrar do espaço e a invadir a festa alheia; a minha festa, para a qual apenas convidei aves migratórias. Que quer essa asa incompleta, encurralada na ambição de sobrevoar as lonjuras? Na minha festa bebe-se azul por cálices de transparência e comem-se pequenos pedaços de sol molhados em horizonte; na minha festa escuta-se música tocada pelo vento em instrumentos feitos de praias, árvores e montes, e ao som dessa música eu e os meus convidados dançamos, apenas vestidos de leveza. Consinto que alguns centauros a tocar flautas e acompanhados por duendes a fazer soar címbalos e pandeiretas invadam a minha festa, permito também que algumas gotas de orvalho rolem entre os meus convidados. O que eu não tolero é a intromissão de uma pequenez que nem sequer merece ser nomeada. Enxoto-a. Vai-te!



Soares Teixeira – 06-07-2013
(© todos os direitos reservados)

"O VENTO NÃO DÓI NOS GRANDES VELEIROS" - Soares Teixeira

O vento não dói nos grandes veleiros; empurra-os para a descoberta de si mesmos e do seu lugar no horizonte. Nos dias carregados de azul o vento não dói nos grandes veleiros, nos dias carregados de cinzento o vento não dói nos grandes veleiros. Os grandes veleiros só sentem dor quando não há vento porque a calmaria é que dói; com a calmaria os grandes veleiros tropeçam na sua imobilidade, deixam de se procurar, e são estranhos perante o horizonte. Os desafios, as contrariedades e os infortúnios, tornam fortes os mastros, as velas, as proas, os cascos e as quilhas dos grandes veleiros. Praias distantes; ilhas remotas; promontórios de assombro; Fogos de Santelmo; auroras boreais; sereias; mitos; monstros, não se vêm, não se alcançam, não se vivem, com calmarias. Os grandes veleiros sabem que a dor não dói porque o que importa é a viagem. Essa é a grande lição que os grandes veleiros dão aos outros.



Soares Teixeira – 05-07-2013
(© todos os direitos reservados)


quinta-feira, 4 de julho de 2013

"A PELE É UMA PLANÍCIE ONDE O AR CRESCE" - Soares Teixeira


A pele é uma planície onde o ar cresce, quente. Ao longe a fonte de onde apetece beber. Ao meu lado um pássaro, à sombra, tem as asas que me apetecia ter. Mansidão total de horas lentas. As únicas criaturas inquietas são duas vogais que se afastam e atraem; vão para dentro de si mesmas até quase desaparecerem no vazio, depois expandem-se até se tornarem num universo. Porquê? Será essa a sua condição? Será que brincam? Qual será a verdadeira natureza dessas vogais? Sinto-as íntimas dos meus dentes, do meu sangue, do meu olhar, do meu suor, do meu desejo. O Sol aquece. As vogais vão junto do pássaro que está à minha esquerda, roubam-lhe as asas e voam – juntas, rumo à fonte. Lá vou eu.  


Soares Teixeira – 04-07-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

"ENQUANTO OS DEUSES DORMEM O SONO DOS JUSTOS" - Soares Teixeira


Enquanto os deuses dormem o sono dos justos, ao Sol nunca lhe pesam as pálpebras. Sinto-me amanhecer nestas palavras que vejo correr dentro de mim. Gosto disso. “Amanhecer é sempre uma bênção”, oiço o horizonte dizer. Respiro fundo estas outras palavras. Respiro-as porque acredito nelas e porque, lá no fundo, sinto que elas acreditam em mim. Há um certo tipo de leveza que me aproxima da matéria dos sentimentos. Sim, porque os sentimentos têm matéria. Acham estranho? Então perguntem aos rios, que são sentimento, se têm ou não têm matéria, e perguntem depois à Alegria se é ou não um rio. Se tiverem dificuldade em encontrar a Alegria, contemplem o amanhecer. Estou a falar, primeiramente, para mim mesmo - é óbvio. Para a roda que sou; o eixo, os raios e o resto. Mas falo também - é claro - para outros; outras rodas desta quadriga conduzida pelo Sol.


Soares Teixeira – 03-07-2013
(© todos os direitos reservados)