Olhando os seus perfis vemos proas que são horizonte, e de frente vemos pêssegos de esperança. Das mãos nasce-lhes poesia enlaçada com múltiplas ferramentas Se observarmos bem reparamos que os seus ombros são pombas, se nos detivermos um pouco sentimos nos seus peitos o crescer de vinhas, se pronunciarmos os seus nomes diremos terra e céu e chuva e oceano
Se uma rua de pensamento nos convidar entremos, respeitosamente, ao fundo está uma coluna e nela gravada uma palavra com a luz dos seus corações palpitantes e a palavra é: TODOS
Excita-me a tua presença, ó Árvore – ó Árvores todas! Desejo-te (desejo-vos) como se fosses Carne, e eu Desejo. Como se eu fosse o vento que preside às tuas bodas, e te cicia em redor, e te fecunda num aliciante beijo.
Ponho os olhos em ti e entretenho-me a pensar que sou mãos, todo mãos que te envolvem o tronco e te sacodem convulsivamente. Requebras-te com volúpia, e os teus emaranhados cabelos louçãos fustigam o ar como látegos, com toda a força que este amor me consente.
Ó Árvore minha débil! Ó prazer dos meus olhos extáticos! Ó filtro da luz do Sol! Ó refresco dos sedentos! Destila nos meus lábios as gotas dos teus ésteres aromáticos, unge a minha epiderme com teus macios unguentos.
Desnuda-me a tua intimidade, ó Árvore! Diz-me a que segredos recorres para te desenrolares em flores e em frutos num cíclico desvario. Porque é que tudo morre à tua volta e tu não morres, e aceitas sempre o Amor com renovado cio.
Inicia-me nos teus mistérios, ó feiticeira dos cabelos verdes. Ensina-me a transformar um raio de Sol em suculenta carnadura, e nesses perfumes subtis que a toda a hora perdes, prolongando o teu ser no ar que te emoldura.
É através de ti, ó Árvore, que celebro os esponsais entre mim e a Natureza. É através de ti que bebo a nuvem fresca e mordo a terra ardente. É de ti que recebo as leis do Amor e da Beleza. Amo-te, ó Árvore, apaixonadamente!
António Gedeão (1906-1997), in “Máquina de fogo”, 1961
ANGÉLIQUE KIDJO At an Angélique Kidjo concert I made myself music I made myself Africa My arms and legs picked up memories that weren't mine or maybe they were before I existed My hips screamed rhythm my feet discovered another ground With gestures beyond geographies my neck left the hours and my chin pointed to savannahs I was from the sign of dance and Mother Nature's homeland Lightning lit up the skies of many hearts because there were many who wanted to disquiet, reinvent to be a smile with bare legs to be a look with open hands to be an arrow creating a sky of freedom Cups made of temples and heels gave joy to drink to the spaces and there was so much rain that a new world was born
Soares Teixeira
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ANGÉLIQUE KIDJO Num concerto de Angélique Kidjo fiz-me música fiz-me África Os meus braços e as minhas pernas foram buscar memórias que não eram minhas ou talvez fossem antes de eu existir As minhas ancas gritaram ritmo os meus pés descobriram outro chão Com gestos para lá das geografias o meu pescoço saiu das horas e o queixo apontou para savanas Fui do signo da dança e da pátria da Mãe Natureza Relâmpagos iluminaram os céus de muitos corações porque foram muitos os que se quiseram desinquietar, reinventar ser um sorriso com pernas nuas ser um olhar de mãos abertas ser uma seta a criar céu de liberdade Copos feitos de têmporas e calcanhares deram alegria a beber aos espaços e foi tanta a chuva que um novo mundo nasceu Soares Teixeira
Soares Teixeira e o Professor José das Candeias Sales por ocasião de uma das suas palestras (11-10-2024) integradas na exposição TA-MERI do Pintor Ben Helmink, com curadoria de Olga Sousa e que decorreu no Centro Ismaili de Lisboa.
Leitura expressiva de parte do Primeiro Capítulo do livro "APENAS MIÚDOS", de Patti Smith
'APENAS MIÚDOS', de Patti Smith, é o fascinante retrato de uma época e uma tocante história de dois jovens - Patti Smith e Robert Mapplethorpe - com grande cumplicidade de sonhos e lutas.
Deus não fala comigo nem uma palavrinha das que sussurra aos santos. Sabe que tenho medo e, se o fizesse, como um aborígine coberto de amuletos sacrificaria aos estalidos da mata; não me tirasse a vida um tal terror. A seus afagos não sei como agradecer, beija-flor que entra na tenda, flor que sob meus olhos desabrocha, três rolinhas imóveis sobre o muro e uma alegria súbita, gozo no espírito estremecendo a carne. Mesmo depois de velha me trata como filhinha. De tempestades, só mostra o começo e o fim.
Adélia Prado
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Biografia de Adélia Prado:
Adélia Luzia Prado de Freitas (Divinópolis, 13 de dezembro de 1935) é uma poetisa, professora, filósofa, romancista e contista, ligada ao Modernismo. Considerada a maior poetisa viva do Brasil.
Sua obra retrata o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único. Em 1976, enviou o manuscrito de Bagagem para Affonso Romano de Sant'Anna, que assinava uma coluna de crítica literária no Jornal do Brasil. Admirado, acabou por repassar os manuscritos a Carlos Drummond de Andrade, que incentivou a publicação do livro pela Editora Imago em artigo do mesmo periódico.
Professora por formação, ela exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora tornou-se a atividade central. Em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa.
Em 2024, tornou-se a terceira escritora brasileira (e primeira escritora mineira) a vencer o prêmio Camões em 35 anos.
Foto tirada por mim, hoje, no pátio da Livraria Snob, em Lisboa
TERTULIANDO Palavras a fazer de pássaros dizem adeus aos lábios dos poetas e viajam sobre superfícies que parecem banais Assim, uma parede estende os braços porque por ela se espalham voos de aves e uma outra veste-se de sílabas da cabeça aos pés - este o mistério das palavras dos poetas; ângulos diversos, diversas pulsações do sentir, diversos mundos a aderir ao corpo, transformam o banal em balcão de bar onde copos se inclinam para a boca enquanto paredes descobrem novas posições para fazerem amor com o que ninguém vê Tertuliando se fazem jangadas que avançam pelos mares onde cachos de uvas caem de nuvens que adivinham desassossegos de instintos, próprios daqueles que buscam por dentro novas geografias e por fora se deixam ser baía de descobertas alheias Um triângulo de céu pode conversar com plantas em vasos pendurados numa parede? Claro que pode – tudo é poesia -, tudo depende da visão da roda do leme que preside aos sentidos,
Pobre parede com três tristes linhas de grades, deixa que em ti entrem palavras a fazer de pássaros, recebe os sons, os sentires, o céu Às vezes sou como tu, alta parede em solitária solidão, mas isso é às vezes hoje não hoje, em palavras,, vou, marítimo, pelo oceano de astros onde caio
Foto tirada hoje junto da estátua de CAMÕES, em Lisboa, após inauguração da placa comemorativa do V Centenário do seu nascimento. Disse o soneto 'AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER" e agradeci ao Génio.
- Extraído da página de Facebook da Professora Luiza Nóbrega:
Com o consentimento do autor, Soares Teixeira, publico o comentário que ele me enviou, em ressonância à sua leitura do meu livro No Reino da Água o Rei do Vinho. Um texto que me diz mais, e mais me gratifica, do que certos comentários insossos e anêmicos de acadêmicos avaros.
Professora Luiza Nóbrega, já terminei de ler o seu livro ‘NO REINO DA ÁGUA O REINO DO VINHO’ – Submersão Dionisíaca e Transfiguração Trágico-Lírica d’Os Lusíadas. Não terminei de estar com ele porque a enormíssima extensão e qualidade do seu conteúdo tem proporções oceânicas, que obrigam o leitor/viajante a elas regressar – assim o farei; o que ‘ficou’ assim o exige. Estudos desta profundidade e abrangência merecem, e devem, ser alvo de análise por parte de especialistas – o que não é o meu caso. Digo, porém, que em mim o universo de ‘Os Lusíadas’, onde o fascínio da descoberta e o hipnótico encantamento extravasam do sensorial e do temporal, mais se expandiu através da leitura do seu Estudo. A poliédrica transcendência da Obra magna da Língua Portuguesa, tem reflexos sempre insuspeitos, resultado de Camões em ‘Os Lusíadas’ a pretexto de…, ir falar de…, como pretexto para…, e assim nos puxar para uma intensa revolução íntima. Cumpre aos Mestres erguer o facho da luz para mostrar horizontes e propor caminhos; a Professora Luiza Nóbrega em ‘NO REINO DA ÁGUA O REINO DO VINHO’, fê-lo, com brilhante persistência onde proposições e metodologias apelam a competente análise a divulgação visto configurarem-se como prolongamento dos monumentais estudos de Jorge de Sena.
Após viajar pela sua Obra sento-me num penedo junto a um mar revolto. Água. Olho-a. Vejo, revejo. Fundo-me na inquietação do mar e penso. Métrica estrófica em ondulações que se sucede a duas vozes, duas faces, onde o aparente faz apelo ao labiríntico; vários eixos temáticos, que como colunas ligam profundezas de mar e céu, claro e escuro, realidade e ficção; semântica que tem de se beber lentamente depois de colhidas as uvas a descobrir; o Poeta, o homem, as personagens, os mitos, as metamorfoses; as palavras e as suas ressonâncias, o que é convés e o que vai nos porões, o que é quilha e o que é vela, o que é rasto e o que é além; inspiração, desafio, vingança, violência, astúcia, sofrimento; forja de prazeres e contraditórios, interminável rio de águas trágicas e líricas, juntas num só caudal; desejada parte oriental, desejado grito, desejada justiça; veículo de exaltação nacional, de crítica política e social, de relativismo, de sortilégio, veículo de uma voz de aurora e crepúsculo, veículo de tempos; forças a serem medidas com o Outro e a propagar(em)-se pelo(s) grande(s) teatro(s) do(s) mundo(s). E sempre mais…, o além… Leio, navego, ondulo, perco-me, volto atrás, medito, penso, questiono e questiono-me, uma e outra vez, procuro rumos, fecho os olhos, lembro-me de muita coisa que aprendi; da vida, de mim, do Oficial Engenheiro Maquinista da Marinha Mercante que fui - isso recordo até não sei que que mar, que dor azul (minha e de tantos). Queria ser objectivo, Professora Luiza Nóbrega, queria, pelo tanto que me deu através do seu estupendo livro, ser a(s) palavra(s) que o autor espera do leitor. Fico incomodado por este meu aquém, que não é de forjar elegâncias - e tal seria inútil ante a perspicácia de quem voa sobre as mais altas cordilheiras. No saquinho de couro que trago preso à cintura de humilde marinheiro tenho para lhe dar um ‘Parabéns’, um ‘Obrigado’, e uma palavra em branco onde cabe toda a sorte do mundo.
Camões, tu dóis-me por estares tanto aqui, quase quebras os ossos das mãos daqueles que puxas contra o peito das tuas palavras, contra o teu peito. Ainda bem que há gente que te segura no rosto, te observa com amor e te procura entender e dar a entender porque és sangue do nosso sangue e alma da nossa alma. Soares Teixeira.
“O POETA” Ele aprendeu o preço exato da canção. Seus pulsos estão abertos e a vossa boca bebeu o sangue puro de uma vida. Que mais quereis de um homem? Vós não podeis roubar-lhe esse luar na alma. Vós não podeis mais nada. É um homem a cantar Um homem que sorriu aos tambores noturnos dos vossos cárceres depois cantou de pé no seu poema. Vinde com vossas leis e vossas máscaras vossas palavras cheias de fantasmas. Nada podeis. O medo nunca pôde nada. Vós não podeis despir um homem que está nu. Pendurai-lhe no sexo uma coroa de espinhos ele fará na própria dor um filho mais robusto porque ele é pai de alegria ele povoa a solidão de raparigas as suaves raparigas que trazem no ventre a cidade dos homens. Vinde com vossas máscaras e vossos tribunais e os mortos-vivos que recitam os parágrafos do livro das sentenças. Vós não podeis mais nada. É um homem a cantar um homem que está nu com todos os seus músculos a soluçar numa guitarra destroçada e todavia iluminada e viva. Um homem que sorriu aos tambores noturnos dos vossos cárceres depois cantou de pé no seu poema. Vós não podeis mais nada. É um homem que merece a poesia. Manuel Alegre in, "Praça da Canção"
25 ABRIL 50 ANOS 50 POETAS - Minha homenagem aos 50 anos do 25 de Abril, a Salgueiro Maia, à Liberdade, à Diversidade, à Poesia. Também a Luís de Camões, nos 500 anos do seus nascimento.
A 7 de Maio de 1824 - cumprem-se hoje 200 anos - estreou-se em Viena a Nona Sinfonia de Beethoven. Esta revolucionária Sinfonia nº 9 foi um sucesso imediato e continua a ter uma enorme relevância em todo o mundo. O tema do último andamento, que recebe o nome de "Ode à Alegria", foi rearranjado pelo maestro Herbert von Karajan para se converter no hino da União Europeia. A Nona Sinfonia de Beethoven (1770-1827), foi a primeira obra musical a ser incluída pela UNESCO na Lista da Memória da Humanidade. A partitura original da Nona Sinfonia é igualmente Património Cultural da Humanidade. Aquando da sua estreia já Beethoven se encontrava completamente surdo ( em 1814 deixou de se apresentar em público, não tendo sido solista do seu famoso concerto de piano conhecido como 'O Imperador' ). O desespero do grande Génio musical ficou bem expresso no famoso Testamento de Heiligenstadt. A história diz-nos que Beethoven dividiu a regência com o maestro indicado para conduzir a orquestra (que tinha indicações expressas para ignorar o compositor), e que quando a sinfonia terminou ainda Beethoven estava a reger, tento sido interrompido por uma cantora que lhe tocou no ombro. O público aplaudia freneticamente e agitava lenços - para que Beethoven se apercebesse do seu sucesso, já que não podia ouvira a estrondosa e prolongada ovação. Diz-nos ainda a história que Beethoven saiu do Teatro profundamente comovido. No Filme biográfico "Minha Amada Imortal", de 1994, que conta a história do Génio de Bona, é particularmente emotivo o episódio a que me refiro. Hoje foi o ponto alto das celebrações da importante efeméride, nomeadamente em Viena e Bona. Há uns anos, em Bona, visitei demoradamente a Casa Museu onde nasceu o Génio e terminei a visita num estúdio onde, através de uns auscultadores, escutei a Nona e outras obras do Mestre, grande parte do tempo a olhar para a janela do quarto onde Beethoven nasceu, que tem no centro uma coluna com o seu busto e a cuja entrada - vedada por um cordão - prestei homenagem colocando um joelho no chão, de cabeça baixa (não fui o único).
"Today is Poetry Day", said a tree early in the morning, lengthily extending all the branches which then embraced the branches of other trees, which in turn repeated the same gestures and words It was a wave of greetings and hugs that began from a tree in the centre of the forest, and spread beyond the green; to the rivers, and beyond the rivers, to the mountains, and beyond the mountains, to the fields, and beyond the fields, to the people, and beyond the people Poetry..., Poetry..., Poetry..., was the word with the greatest echo, the one that rang out far and wide, and therefore the most heard Poetry..., Poetry..., Poetry..., was the veil that flew through space, and became the song of diversity The stars observed the new light that enveloped the Earth, and this distant but clear echo reached them: Poetry..., Poetry..., Poetry..., and they gave each other secret hugs, repeating: Poetry..., Poetry..., Poetry..., to infinity
LIVRE O tempo passa e tudo se resume ao som de um sino que se afasta deixando para trás relâmpagos de folhas amarelas, violinos em fim de tarde e praias com cada vez menos conchas de sonhos No entanto, de uma fogueira marítima, acesa no íntimo das horas, chamam-me aves incandescentes para que a elas me junte à conquista de nuvens que são ilhas onde promontórios aguardam pássaros com nascentes no olhar E eu visto-me de azul e vou, naturalmente, sem relógios dentro crânio ou sombras no peito vou, apenas, livre Soares Teixeira
Dias 24 e 25 de Fevereiro de 2024 teve lugar o "Congresso Internacional do Meio Milénio de Camões"- Rede
Camões Ásia e África. Este foi um evento da Fundação Rui Cunha, sediada em
Macau. Os organizadores e participantes estão de parabéns. Prometia-se uma
reunião científica com um núcleo de grandes especialistas e assim aconteceu. Participei como
assistente, por zoom. O convite foi-me gentilmente endereçado por Filipe Saavedra, da
Comissão Coordenadora do Congresso.
CREPÚSCULO Despeço-me do sol, silenciado pelo seu adeus e na minha testa há uma abelha quieta Algumas arestas vêm beber do meu pensamento; olho-as através de uma porta que se abre A noite será bosque e eu, ignorante dos caminhos, procurarei refúgio numa choupana de astros Soares Teixeira
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CREPUSCLE I say goodbye to the sun, silenced by its farewell and on my forehead there's a quiet bee Some edges come to drink from my thoughts; I look at them through a door that opens The night will be forest and I, ignorant of the ways, will seek refuge in a hut of stars