segunda-feira, 17 de março de 2014

"PALAVRA ANFÍBIA" - Soares Teixeira









Da cantilena das ondas nasce a palavra anfíbia e nela viaja aquele que olha para lugares distantes, para tempos remotos, e vê… vê! vê: grupos de raparigas dançarem uma dança de roda em torno de antiquíssimas oliveiras; cães que olham, como pessoas, para um velho sábio sentado num mercado e que fala pausadamente enquanto descansa de uma viagem que muitos pensam ter começado com os deuses e que acham não acabará nunca; homens com três quartas partes de vida passadas a cavalgar entre estepes e céu; outros homens com o mesmo tempo de vida entre céu e mar; outros ainda com esse mesmo tempo de existência entre sangue e vinho; outros toda a vida entre outros que julgam conhecer mas não conhecem; mulheres grávidas desses homens - dessas pedras a rolar pelos caminhos - e grávidas de mulheres que, como elas, serão mel e torres e vozes ao vento, rogando que ele se abra e receba os seus sonhos e as suas danças de roda. Nua cantilena com mais refrões de perguntas que refrões de respostas, cantilena sem rosto e com tantos rostos. Aqui se erguerá o palácio, diz um rei; aqui dormirei, diz um pastor. Aqui se erguerá o templo, diz um sacerdote ao tocar no solo com o seu bastão de ouro; sim, aqui é bom, diz ao pássaro o curandeiro, erguendo ao alto o seu colar de búzios. E todas estas palavras ou são escutadas pelo mar ou pelo vento que as vai dizer ao mar e o mar guarda-as dentro de si e os seus ombros e as suas bocas – que são as ondas – levam-nas aos ouvidos das praias. E a cantilena das ondas ascende à respiração daquele que olha o horizonte e na palavra anfíbia vai ao encontro, vai ver acontecer, vai acontecer… naquilo que foi, é, e será.




Soares Teixeira – 16-03-2014
(© todos os direitos reservados)

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