sábado, 22 de março de 2014

"CELEBRAÇÃO" - Soares Teixeira









Sagradas e sábias as árvores quase não falam mas ao longo dos seus troncos há palavras ditas em surdina, no limiar de um silêncio anelante e vertical e audíveis apenas pelo horizonte dos que partilham a nudez das cores e a órbita de astros iniciais. Puro segredo, secreto prodígio, plena satisfação sentir-vos… árvores! árvores! árvores! árvores percorridas por tanto murmúrio em flor, sempre recém-nascidas do milagre, intacto assombro na veia do instante, arte de inaugural enigma… árvores! meu êxtase, meu excesso sem fim, minha placidez, minha espiral de imensidade. Árvores! meu amparo, contínua lucidez, que bom ter-vos a meu lado - quando julgo que sou inteiro e inquebrável, quando tenho de reunir os meus pedaços, quando tenho de chamar pela última ânfora dos meus instantes, quando tenho de largar a pele para voltar a ser início -, que bom partir do meu gesto e depois abraçar-vos e assim chegar à minha alma. Deusas das ofertas matinais e das celebrações noturnas, deusas de formas puras, deusas de vontade sem máscara, deusas que dançam no meu contentamento, deusas sorridentes e de cabeça erguida e de olhos postos nas viagens dos pássaros, das nuvens e dos sonhos, deusas do incrível, da aliança; sim, beijo-vos, beijo-vos como se me banhasse no último mar dos tempos.
Agora vamos dar as mãos, eu, e tu, e tu, e tu também - nós, os que pertencemos à raça dos golfinhos siderais. Vamos rodear a árvore e nela celebrar todas as árvores. Magnífica sede de revelação; olhar as árvores e esperar as suas palavras, como penumbra que aguarda a luz. Sim ao círculo que somos. Fantástica ascensão; respirar o insondável amadurecimento da sílaba, sentir a carícia da palavra a percorrer a superfície do sentir, para depois observarmos, deslumbrados, a prometida unidade, ébria de além. Sim ao círculo em que nos tornamos. Árvores, por vós emergir, por vós descobrirmo-nos; plenitude na página, sem peso, do ser; intensa unanimidade do mistério; solene transparência a vibrar no instante. Sim ao círculo com que giramos. Árvores! amor com vontade de viver em nós, os pássaros, os que atravessam a espessura dos dias e se tornam azul entregue ao sonho. Sim ao círculo com que nos elevamos. Amor das árvores por todos os que por elas renascem, por todos os que nelas se libertam - amor retribuído oh árvores Sim ao absoluto das vossas palavras.



Soares Teixeira – 21-03-2014
(© todos os direitos reservados)

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