sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

"LUZ VIVA" - Soares Teixeira







Não sentes nos lábios
asas para além de qualquer pássaro?

sou eu
que numa bandeja de céu
te estendo a viajem de sermos
respiração de ilha para lá do tempo

vai ao teu promontório
abre a janela da íntima retina
e come comigo
astros embebidos em licor de laranja

verás que é bom
sentirmo-nos luz viva



Soares Teixeira – 26-12-2014
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

"NONA" - Soares Teixeira




 
(Página autografada do manuscrito da sinfonia n.º 9 em ré menor, op 125, "Coral", de Beethoven)
© Staatsbibliothek Berlin - Preußischer Kulturbesitz
(Foto retirada do site: http://www.unesco.de/mow-beethovenautograph.html)



Mestre
escuto a tua Nona Sinfonia
e nela sou sem medida
descoberta da estrada solar

como é isto possível?
de que veias trouxeste o sangue?
a que silêncio foste buscar o prodígio?

alegria
todas as esferas que sou
rolam na tua luz, Beethoven
o assombro expande-se
renasço em todas as salas onde entro
corro dentro de mim
de água acesa lavo os meus instantes
sou estuário de espaço
há girassóis no olhar dos astros
há cisnes no sopro da luz
há árvores na sede dos princípios
corro de braços abertos
respiro janelas escancaradas
e barcos a flutuar na liberdade da viagem
e pássaros nos lábios da sublevação

alegria
todos os ramos e folhas que sou
pertencem ao teu corpo musical
impossível não me comover
impossível não receber o relâmpago
impossível não provar do infinito

quem não me entender que fique na praia
vou com as vozes que me chamam
vou
no segredo da claridade inicial



Soares Teixeira – 17-12-2014
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

"AO TOMÁS" - Soares Teixeira







“Mais alguém quer ler um poema?”
perguntou a liberta voz de um nó
mulher camélia de forja no peito
mãe de palavras de trigo feito pão para todos
“Eu gostava, posso?”
indagou o pequeno Tomás
naquela sala repleta de gente grande
que ali estava
dentro da sua roupa, dos seus sapatos
e dos seus mundos
para escutar a voz
de um nó de árvore, nó de pulso, nó de garganta
nó de Ser aberto à dança dos frutos mágicos
“Sim, claro!”
foi a resposta que floriu
e de repente
toda aquela gente grande ficou com a dimensão de um grão
e abandonou os seus sapatos e subiu no ar
e em leveza deixou-se levar na órbita da voz
de um pequeno grande sol
chamado Tomás
que na proa do seu navio-gente
foi a exacta medida da força necessária
para desatar o nó do silêncio
e assim nos estender o amanhã do navio-nação



Soares Teixeira – 16-12-2014
(© todos os direitos reservados)


(Nota: O Tomás é o menino que no lançamento do livro de Fátima Guimarães, “A voz do nó”, no dia 13-XII-2014, em Guimarães, leu um poema da Autora).

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

"ALVOROÇO" - Soares Teixeira







Neste alvoroço de viver
intensamente
a verdade silvestre

há mãos que são navios
e braços que são ondas
e ombros que são brisa
e bocas que atravessam as sílabas
e coxas feitas de palavras
e pés que são verbos
e o resto um pulso de horizonte
sem medida
que nos puxa para a plenitude do grito

nenhuma lucidez de espaço nos falta
nenhum vértice de silêncio
nenhuma espiral de água

aparece-nos claridade na pele
e erguemo-nos num luar só nosso
as árvores observam
do fundo das suas raízes
como a nudez da aliança
abre caminho
na sempre jovem
antiguidade da luz
e os pássaros dizem aos ventos
“O prodígio está ali”
sim é de nós que falam
e é por nós que chamam
os derradeiros unicórnios brancos
Olha! eles vêm!

é manhã nas asas de uma borboleta
e nela vai
o poema que somos



Soares Teixeira – 15-12-2014
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

"AMOR" - Soares Teixeira







Amor

palavra retilínea
deslumbrada
com o destino das suas asas
brasa a crescer
dentro do instante liberto
que somos
transparentes como frutos
íntimos da alma do ar
cálida palavra inacabada
que viaja
de boca em boca

Amor



Soares Teixeira – 12-12-2014
(© todos os direitos reservados)



quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

"SEM MUROS" - Soares Teixeira







Sem peso no sol do ser

é bom
dizer adeus às esquinas
e ao fogo
que não se sabe deslumbrar
é bom
respirar a emoção
da iminente viagem
e depois sentir
as cores do percurso
libertas por alguém
que quer inundar
outro corpo
como céu
que se estende
para romãs no além
é bom
e é bom o mel de retribuir

sem instante e só instinto
cintilantes somos
e é bom ser
frenesim de magia
luz de sangue liberto
verdejante volúpia
aquática dança
de peixes em sede liquefeita

é bom erguer aos astros
as puras taças
que somos
de matéria por descobrir
de formas por inventar
de alvoroço de início
onde nenhuma argila
é ignorada
é bom brindar
à insónia do desejo

sem muros na fantasia



Soares Teixeira – 10-12-2014
(© todos os direitos reservados)