domingo, 30 de outubro de 2016

"DIZ-ME" - Soares Teixeira



diz-me poesia:
em que rio tens voz de astro?
em que mar te fazes navio?


Soares Teixeira – 30-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

"CICLO" - Soares Teixeira



I

Corro
no pomar do engano
e sou certeza que corre
mas só depois
de ver
que o cansaço
é o único fruto
que me resta
é que descubro
que a minha matéria
é fumo

II

Recolho-me
em abelha de cristal
sobre a minha coluna
de palavra e vento
e procuro o longe


III

Sózinho
bebo a ferida
troco a dor
por outra camisa
e regresso
pronto
para me recomeçar
em meteorito
ou rio
e de novo
sou todas as paisagens




Soares Teixeira – 27-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

"INICIAL" - Soares Teixeira



A mão ama o gesto
o gesto ama o espaço
o espaço ama a palavra

a palavra ondula
leve na planura
em pura plenitude

o Sol tem os lábios vermelhos
o dia cai dos plátanos
a Lua já monta um potro

o mundo é um templo de segredos
que os peixes guardam
nas profundezas da alma

inicial
escuto da voz de um silêncio aquático
poesia



Soares Teixeira – 26-10-2016
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 25 de outubro de 2016

"O POEMA ALADO" - Soares Teixeira




Molhar o pão no caldo da poesia
comer com gosto
e arregaçar as mangas da alma

depois quebrar um ramo do silêncio
abrir a portas à viagem
e ser romã em júbilo

assim me satisfaço
assim sou o azul
no dorso do poema alado



Soares Teixeira – 25-10-2016
(© todos os direitos reservados)

domingo, 23 de outubro de 2016

"GRATIDÃO" - Soares Teixeira


Olho
e o meu olhar é um beijo na fronte dos astros
e isso eles nunca me recusam
conhecem-me
conhecem tudo o que em mim se quebra
tudo o que em mim se constrói
sabem quando encosto a cabeça às árvores
quando os ombros se me estremecem
a forma que dou aos acontecimentos
ou quando tento calafetar os navios da minha culpa
por trás da voz da noite
oiço o sussurro daqueles que não me abandonam
e me oferecem os seus rostos
e me aceitam como lira e como cidade
tenho a sensação de que não sou um forasteiro entre as galáxias
uma sensação antiga guardada dentro de muralhas inexpugnáveis

Quantas vezes, nas passagens íngremes de alguns caminhos
me sinto o filho predicleto das pequenas flores
que em cuidados maternais me conduzem por entre os abismos
superstição?
ilusão?
não renego a olaria dos mistérios nem os segredos dos búzios
só isso
e isso me basta para este meu olhar de rapazinho
vestido de gratidão



Soares Teixeira – 23-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

"A PEDRA" - Soares Teixeira




Às vezes
sem nos apercebermos
existe no olhar de quem nos sorri
uma formiga
muito pequena
quase imperceptível
quase transparente
mas com força bastante
para puxar uma grande pedra negra
 - a inveja -
devagar
persistente
a formiga avança
e a pedra também
depois pode acontecer
descobrirmos
tarde de mais
o peso dos dias
com os vidros embaciados
sujos
e que nós
as criaturas dos nossos passos
somos irreconhecíveis a nós mesmos
e sentir um navio encalhado na garganta
e ver ao fundo do espinho
uma mão ressequida negar o gesto antigo
e sentir uma só palavra
a conduzir o carro da indiferença
- traição -



Soares Teixeira – 19-10-2016
(© todos os direitos reservados)