terça-feira, 25 de novembro de 2014

"PALAVRAS DE UM RIO" - Soares Teixeira




Maqueta do Monumento ao Antifascista de Aljustrel - Museu Jorge Vieira, Beja



Vou-te dizer algo
que ouvi um rio
dizer a uma árvore

Dizia o rio:

“É urgente sentir
nas veias, nos dentes, na dor
é urgente sentir!

que há um sol suspenso
nas manhãs não ditas
e que é por ele que temos
de lutar
e que é por ele que temos
de atravessar as nuvens negras

Para lá
do lagar de sombras
onde é preparado o vinho do medo
estão palavras
vivas
como crianças
a correr de braços abertos

Não há que temer a infância
mesmo vendo-nos
sentados numa rocha à beira do nada
e com sentimento de fim

Podemos chegar junto das palavras
e apresentarmo-nos assim:
‘Olá
sou armazém de noite
mar de chamas
flor sem chegar à praia da raíz
argila de intimidade última
boca dentro da sede
de outra coisa que haja em mim’

Talvez então aconteça
que uma dessas palavras crianças
liberdade
venha ter connosco
e nos puxe pela mão
para uma dança de roda
com muitas das suas irmãs

Talvez então
já de poema vestido
frontais à luz
belos
como um pássaro
rubro e destemido
possamos afastar as nuvens negras

Talvez então
sejam ditas todas as manhãs”

O rio era um velho
ainda de luta acesa no olhar
a árvore era eu
sem saber como continuar



Soares Teixeira – 25-11-2014
(© todos os direitos reservados)

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