domingo, 23 de setembro de 2012

Elsa Rodrigues dos Santos



Elsa Rodrigues dos Santos deixou-nos. Mudos e petrificados ainda estamos no aconchego do seu sorriso, ainda caminhamos dentro do seu olhar, ainda nos erguemos ao escutar o timbre da sua voz. Deixou-nos a grande matriarca, a incansável líder, a imensa coluna, a amiga, a sábia. E agora? agora somos pedaços de abóbada a cair. Olhamos em volta, estendemos as mãos e ela já não existe para nos receber e nos amparar. E agora? agora ficámos aquém de nós mesmos, a palpitar nervosamente no desalento. E agora, as nossas asas?
Adeus minha querida Amiga. Fizeste-nos felizes. Agora está frio.
Adeus.


Soares Teixeira

domingo, 9 de setembro de 2012

"CONTINUAMENTE" - Soares Teixeira




O universo escreve-se
continuamente
para nunca ser decifrado

os homens
fazem rufar os seus tambores
e disparam espanto e conquista
mas as suas setas
ficam sempre aquém

o tempo aplaude
a distância grita
a luz vai

equações demonstrações
deduções dissertações
sucedem-se
nas asas de insectos
em núpcias com o sonho

e sempre um poema
no pólen do enigma




         Soares Teixeira – 05/08/2012

terça-feira, 4 de setembro de 2012

"INÍCIO" - Soares Teixeira





De todas as direcções do universo
surgem olhos
confirmando a nascente do poema
fico quieto, em silêncio
observando
o meu corpo apenas existe
dentro da respiração
o instante
está num casulo

belo
simples, solene e sagrado
o sol nasce
alonga-se o meu espírito
saúdo o milagre
visto as suas asas
e em mim
sou o senhor
de tudo o que quero amar

                                              Soares Teixeira

sábado, 1 de setembro de 2012

"VERDE QUERO-TE VERDE" - Soares Teixeira




Verde quero-te verde
sagrada floresta
delírio de gestos
que transbordam
do meu abraço
em balanço de êxtase

Verde quero-te verde
sublime milagre
que se ergue da terra
e em beijo mergulha
nos céus
esfomeados de paraíso

Verde quero-te verde
templo de prodígio
aberto à oração
dos que te amando
crescem
na distância de si mesmos

Verde quero-te verde



                                                  Soares Teixeira - 24/08/2012

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

"SANTA MARIA MANUELA" - Soares Teixeira




Santa Maria Manuela
é uma alma em corpo de veleiro

Branco
do cais de cada instante
saía para o templo azul
erguido na pétala da distância
Santa Maria Manuela
o bacalhoeiro
Belo e de proa triunfante
segredava ao mar
pela voz das velas
as viagens do pensamento
dos que nele navegavam
vestidos de vastidão e vento

Triste
um dia parou
à grande porta do tempo
como um fim de tarde sem júbilo
Santa Maria Manuela
quase grito derradeiro
Ferido e a sangrar
era um estranho animal
que em surdina chamava
pelo azul dos sonhos
a cintilar
no rosto de Portugal

Abertas
como grandes asas de vontade
mãos em manhã de aventura
lançaram-se firmes
para salvar a taça tombada
no altar do destino
e cada homem era um menino
no assombro de ser mais
que o brilho de um sonho
entre a folhagem de um jardim
cada homem era o azul
de que o horizonte se alimenta

E aconteceu
o futuro renasceu
branco

Santa Maria Manuela
alma em corpo inteiro
Santa Maria Manuela
o veleiro



Soares Teixeira / 04-08-2012


sábado, 30 de junho de 2012

"OBRIGADO, JOAQUIM EVÓNIO" - Soares Teixeira




Obrigado
Joaquim Evónio
seiva de sol generoso
a gotejar do amanhecer
poema em praça pública
rede de pescador
em mares de pontes por nascer

Obrigado
pela palavra de cabeleira revolta
pelo gesto largo
a continuar a barba branca
pelo olhar frontal e longo
em espuma de onda
ávida de horizonte

Obrigado
por teres sido tambor a abrir fendas
na arrumação dos espaços
por teres sido morteiro de luz
com coragem de pomba
por teres sido alicerce de ti mesmo
e azul a sonhar varandas de amizade

Adeus



Soares Teixeira – 29-06-2012

quarta-feira, 20 de junho de 2012

"ESCOLA DE SAGRES" - Soares Teixeira



Em Sagres o mito e o mistério
estendem os dedos ao mar
e o mar que se desenrola
o mar que ruge a assola
o mar de luz e breu
espelho de dupla face
onde os abismos se reflectem
e se unem na superfície do eu
o mar
abre a garganta em ondas
e diz
- Venham a grande escola sou eu

 
Soares Teixeira

"TRÊS QUADRAS PARA ANTÓNIO ALEIXO" - Soares Teixeira



Chamas-te António Aleixo
és o príncipe do povo
em ti há o sangue novo
de um grito que é nosso eixo

Tu que tinhas vistas largas
e grande sabedoria
dás-nos nas horas amargas
lições de filosofia

Tomara muito doutor
alcançar o teu saber
tomara muito senhor
ter o que soubeste ser


Soares Teixeira

"O SOL CUMPRE-SE NO OLHAR DO TOURO" - Soares Teixeira





O sol cumpre-se no olhar do touro
os cavalos pastam
os pássaros são o início doutro horizonte
o de um tempo antigo
em que os templos no alto dos promontórios
eram sagrados e neles se veneravam deuses
que vigiavam o amanhecer
O mar é a medida do excesso
e bate nas rochas
abrindo-lhes o peito
até à recordação dos primeiros dias
O vento vai vadiando
a sua grande cabeça a crescer de orgulho
O horizonte prende-se
em todas as saliências do olhar
A grande aventura do mundo
percorre o corpo de uma flor
na beira do caminho
A procissão passava tecendo cânticos
um velho humilde descansava
e com olhar simples observava a flor
e ao sorrir para aquela réplica de universo
expandia-se fantástico em grandeza

desse mundo antigo
o olhar do sábio brilha na flor de agora
à sombra da ruína sagrada

O sol faz soar os seus tambores


 
Soares Teixeira

terça-feira, 8 de maio de 2012

"ARY! HOMEM POVO PRESENTE!" - Soares Teixeira




Um grito desfraldado sobre o mar
Que é ribeiro a nascer noutra fronteira
Uma luta de palavra certeira
Que é sulco de coragem a jorrar

Uma espiga de trigo a começar
Uma lança atirada a uma fogueira
Um cavalo a correr numa bandeira
Um pássaro vermelho a madrugar

Luz de Abril braço a semear vontade
Alma e pulmões frontais ao sol e ao vento
Peito a cortar marasmo voz sem medo

Cântico a desfolhar a liberdade
Ary! Cravo a nascer no pensamento
Homem povo presente! homem rochedo!



Soares Teixeira

segunda-feira, 7 de maio de 2012

domingo, 6 de maio de 2012

"LUA" - Soares Teixeira





Lua
com o rosto encostado ao teu
sou um garanhão a galope
neste abandono de mim
para ser sangue do nosso corpo
Juntos entramos pela fenda do silêncio
como duas flores a caminho do exílio
e em nós cai o pólen do infinito
Leves são os ventos onde nos roçamos
límpidas são as luzes que nos observam
lento é o orvalho do tempo
que desliza nas nossas pétalas
Lua
fio de sonho com que me visto
luxúria abençoada pelos astros
boca que me beija e me transfigura
coxas que são morada
do arado que sou
na planura do nosso segredo
Amo-te!



Soares Teixeira

quarta-feira, 2 de maio de 2012

"NATÁLIA CORREIA" - Soares Teixeira






Natália
casulo de fina filigrana
que guarda uma borboleta
com olhar de ilha pintada a sonho
iniciática   enigmática   magmática
aquática
cisne lunar na liberdade dos longes
lira de ancas de fogo e rosas
ombros de anémona estrelar
lábios libertos em palavra de ouro
cabelos de cânticos antigos
sensual   primordial   frontal
surreal
gota de orvalho na pétala do mistério
lírio em madrugada irrepetível
pressentimento de irrequieta divindade
gesto de árvore a namorar o vento
Natália
na incandescente vitória de um verso
na ternura de uma flor singela
no infinito que se faz horizonte
no horizonte que se faz infinito
Natália
em nós   por nós
o sangue dum grito

 
 
Soares Teixeira

sexta-feira, 27 de abril de 2012

"PROCURA" - Soares Teixeira






Declina o dia
Um coração de gaivota
bate
nas palpitantes pálpebras
de um marinheiro
Ao longe
dentro do casulo do horizonte
está uma borboleta
com olhos de mulher
O mar
recebe de mãos abertas
o fogo lento da saudade
O navio
procura na distância
o significado da palavra
nostalgia



Soares Teixeira

quinta-feira, 19 de abril de 2012

"INFANTE DOM HENRIQUE" - Soares Teixeira





Sozinho
na fronteira do seu próprio ser
num silêncio de promontório e mar
com pupilas de herança e futuro
Henrique
Infante
de um navio chamado Portugal
recebeu o pão azul do horizonte
o vinho da pura força
de tudo o que é incerto
e da praia do seu peito
uma imensa pálpebra abriu-se
a viagens por acontecer


Soares Teixeira

quarta-feira, 18 de abril de 2012

"DOM JOÃO II" - Soares Teixeira






Imensa torre humana
erguida para ser frontal
João
Rei
o segundo deste nome
espreitando sobre o ombro da distância
segredava ao ouvido do vento
que era seu dever dobrar o medo
e na sempre nova linha do horizonte
buscar a linha oculta
desenhada no mais além
para com ela
em letra maior
voltar a escrever
Portugal



Soares Teixeira

domingo, 11 de março de 2012

"É UM PRAZER" - Soares Teixeira



É um prazer olhar para a mansão barroca
que algumas pessoas constroem
com a sua retórica e gestos estudados
convencidas que cada instante seu
é para os outros um copo de champanhe
Dá gosto ver os vitrais das suas pupilas
mais do que bonitos mais do que serenos
mais do que confiantes mais do que falsos
Dá gosto ver o espectáculo do seu rosto
mais do que na moda mais do que actualizado
com todas as conveniências e conivências
Dá gosto
dá tanto gosto que apetece retribuir
com uma pastelaria no olhar
e um sorriso de sarcasmo que esmurre
o palácio que pretendem exibir nos maxilares



Soares Teixeira

sábado, 10 de março de 2012

"FOI DURANTE UMA TERTÚLIA DE GRILOS" - Soares Teixeira



Foi durante uma tertúlia de grilos
que fizemos parar o ponteiro do relógio
e escutámos o aplauso de palavras
chamadas ao pensamento
pelo prolongado soar do tambor do desejo
Entre ervas e arbustos
os grilos agarravam-se aos seus sons
trepando às montanhas de si mesmos
e fazendo com que tudo à sua volta
ficasse parado suspenso
num casulo que era a véspera daquele dia
Então deixámos cair as palavras
primeiro como breves pingos de água
depois como chuva
chuva intensa de céu que é dádiva
e foi encharcados de humanidade
que subimos ao cesto da gávea
da hora que nos esperava
e consumámos a natureza
dando razão às forças que criaram o mundo
Em silêncio os grilos escutaram
os sons do amor


Soares Teixeira

quinta-feira, 8 de março de 2012

"UMA GAIVOTA SATISFAZ AS ASAS NO AZUL" - Soares Teixeira



Uma gaivota satisfaz as asas no azul
em silêncio
era o pássaro que faltava
o pássaro que saiu do cavalete do instante
para que naquele suave estremecimento
de manhã que se anuncia
a memória subisse pelas raízes
da grande e velha árvore
onde um dia brilhou
um alvoroço de juventude
era o pássaro que faltava
e trazia no bico
aquele telheiro de folhas
que foi a casa do nosso primeiro beijo


Soares Teixeira

quarta-feira, 7 de março de 2012

"O DESEJO NAVEGA NO SANGUE" - Soares Teixeira



O desejo navega no sangue
o prazer tem um pescoço longo
que sorve a catarata do instante
as mãos alongam-se como poentes
e afagam o feno da pele
que é macio e cheira a nuvem
os músculos são os lábios da carne
a boca beija o gemido
contraem-se as nádegas do touro
e a estrela recebe o lírio de bronze
tudo está em harmonia com o trigo que cresce
tudo é ânimo de astro tudo é trepadeira de luz
tudo é próximo e distante tudo é solene e sagrado
tudo é infinito no convés do lugar
não há casas não há muros não há caminhos
há apenas um tudo de rosto voltado
para uma praia que são braços
e uma trombeta de som arqueado
que penetra nas nervuras do horizonte
e morde o fogo com um riso quase humano


Soares Teixeira

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Carnaval de Veneza 2012





Regressei ao Carnaval de Veneza. Único, intenso, indescritível. Viver este Carnaval - devidamente vestido - é uma experiência inesquecível. E viver o Carnaval de Veneza é ir aos concertos, às festas, aos museus, às igrejas, aos palácios, e este ano. Este ano participei na Vogata del Silenzio, um fabuloso desfile nocturno de gôndolas de Rialto a São Marcos.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"AMOR" - Soares Teixeira



Um golfinho lunar
regressa à casa dos astros
rápido e certeiro
como se de há muito conhecesse
todos os caminhos do universo
no seu olhar há uma juventude
que esconde o tempo inteiro
e no seu dorso vamos nós
de pupilas embriagadas pelo ser
que na nascente de cada um
dança nos píncaros
de uma montanha sagrada
Estarmos de cabeça erguida
é pertencermos à solenidade
de um antiquíssimo encontro
é sermos inteiramente
o chão do nosso caminho
é sabermos comer frutos amargos
sabendo que também eles são parte
da viagem
Estarmos unidos
é recebermos o trigo que nos pertence
e com o mesmo gesto oferecê-lo
aos deuses que nos deram
a humanidade
e o amor


Soares Teixeira

domingo, 5 de fevereiro de 2012

"SÓ NÓS PRÓPRIOS" - Soares Teixeira




Só nós próprios nos podemos reconstruir
ninguém é interior aos nosso medos
ninguém respira a nudez da nossa solidão
ninguém conhece os muros do nosso labirinto
Só nós próprios gesto a gesto palavra a palavra
podemos ser oferenda aos nossos abismos
e atravessar o impossível para nos reunirmos
à esperança dos céus matinais
Só nós próprios podemos pintar de branco
a casa do nosso combate
e plantar a claridade no jardim do amanhã
só nós impiedosamente nós próprios


Soares Teixeira

sábado, 4 de fevereiro de 2012

"OLHEI-TE" - Soares Teixeira



Olhei-te
do convés do meu olhar
e vi-te
estavas a enfeitar a distância
com aquele sorriso
com que me disseste adeus
derramei nas águas
a minha parte que te pertence
e fiquei a ver
do convés do meu navio
duas saudades
que se abraçavam
naquele fim de tarde
longo vermelho
e alheio ao tédio dos deuses


Soares Teixeira

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"OLHAVAS-ME" - Soares Teixeira


Olhavas-me
como páginas de um livro
levadas pelo vento
quis desenhar uma flor
no rodapé
de um qualquer fragmento
de instante
desses
onde te espelhavas
mas o meu sorriso
nunca conseguiu
alcançar as asas
com que me enfeitiçavas
hoje
recordar-me de ti
é olhar para um rio longínquo
onde cintila a luz
de um sol ao entardecer
sim
ainda me fazes
libertar um sorriso
mas já sem asas
um sorriso
no canto de uma página
de acaso
que se mistura
com as outras folhas
que um dia habitaram
a árvore
onde um dia pousaste
a árvore
que sempre fui
sou e serei


Soares Teixeira

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

"DE BRAÇOS ESTENDIDOS" - Soares Teixeira


De braços estendidos
as nossas mãos sustinham a hora futura
sonhada por um deus ávido de humanidade
e assim caminhámos um ao encontro do outro
e assim nos recebemos
e assim fomos o sagrado sonho de uma divindade


Soares Teixeira

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

"NAQUELE TEMPO DE AMOR" - Soares Teixeira


Nos andaimes
daquele tempo
onde
como obreiros
tínhamos os corpos suados
de tanto esculpirmos
as colunas do amor
foste a linha
fui o linho
foste a vinha
fui o vinho
Naquele tempo
sem futuro
flutuávamos
puro presente
pérolas a rolar
em céus a começar
Naquele tempo
sem antes
nem depois
éramos apenas um
um rio
um astro
um amanhecer
apenas um
aquele
e mais nenhum
uma ilha
um veleiro
uma viagem
Nos andaimes
daquele tempo
obreiros do amor
perdidamente perdidos
como pérolas a rolar
nas folhas de uma videira
nas flores de uma amendoeira
nos ramos de uma trepadeira
éramos novos céus
dentro de uma ânfora
de carne a cintilar
Naquele tempo
sem tempo
em que esculpíamos colunas
éramos excesso a respirar
todos os mapas do nosso olhar
Naquele tempo
os nossos corpos suados
eram água a jorrar do vento
seara a crescer no mar
Nos andaimes
daquele tempo
de corpos suados
clarões à cintura
e forjas no olhar
éramos diligentes mestres
e ávidos aprendizes
do cósmico, mágico
peregrino e solar
ofício do amor



Soares Teixeira

domingo, 15 de janeiro de 2012