domingo, 12 de janeiro de 2014

"PAISAGEM" - Soares Teixeira




Fotografia © Gugul (Raul)





Três quartas partes de mim
são céu
anterior ao crepúsculo que sinto na garganta
espaço sem nome
onde habitam as coisas por mim recordadas
e que dançam na boca de uma luz ausente
o resto é chão
com um frasco sem ilusão




Soares Teixeira – 12-01-2014
(© todos os direitos reservados)



quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

"ARTE" - Soares Teixeira




                                                                                      Danny Boulet, Photo © Ernie Sapiro




A arte de caminhar
sobre as águas do poema
como uma praia sem peso
que se eleva sobre o mundo
em deslumbrada ascensão
essa é a arte
que o olhar respira
depois da máscara ter cumprido a sua função
e repousar na prateleira sem plenitude

A arte de tornar azul o destino do poema
a arte de ser cálice
feito com o metal da sílaba ardente
a arte de ser paisagem
em aliança com o ser
a arte de ser diapasão do instinto
a arte de descobrir as plantas carnívoras
a arte de viver
depois de sobreviver



Soares Teixeira – 08-01-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

"HÁ POEMAS" - Soares Teixeira




                                                                          (Fotografia de Mendes Domingos - que inspirou o poema)



Há poemas que são praias onde costumo ir
caminho na areia     vejo o mar     sinto as aves
estendo as mãos ao Sol
deslumbro-me     espreguiço-me     desdobro-me
às vezes sou navio     outras arquipélago
É bom ter poemas assim
praias para andar por ali
por aquele chão tão meu     tão secreto     tão real
andar por ali     a ser livre     a ser eu
até à matinal frescura da última palavra



Soares Teixeira – 07-01-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

"ACREDITAR" - Soares Teixeira








Quando a minha descrença é vertical
sinto o mundo debaixo dos pés
este meu mundo que trago aceso no peito
jovem, forte, telúrico
ardósia dos meus passos
da minha presença a transpirar espaços
onde me alongo em assinatura
de tudo o que em mim habito
de tudo o que em mim habita
de tudo o que procuro
de tudo o que me procura
depois
vestido de azul
de certeza escrita pelo mar, pelas árvores
e pelos pássaros que me acontecem
nesta leveza de ser pensamento livre
esculpido pelo paraíso
que a cada instante me faz
além página de mim mesmo
porque
além murmúrio das flores     sou
porque
além alegria das cascatas     sou
porque
além milagre     sou
depois …
depois ergo os olhos ao alto
e acredito nas pupilas que me observam
por entreabertas portas de fogo
na primavera de cada constelação
nos poemas escritos pelos cometas
nas amendoeiras do infinito
e em tudo o mais que me mandar acreditar
esta liberdade que me leva pela mão



Soares Teixeira – 05-01-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 29 de dezembro de 2013

"OFERTA" - Soares Teixeira








Ofereço-te
a luz que se liberta das madrugadas
as distâncias que se estendem dos poemas
os sons mais íntimos de uma galáxia

Viro-me para a minha infância
e procuro a mais bela recordação
ofereço-ta

Vou buscar a liberdade de uma gaivota
e uso-a para embrulhar
o silêncio com que nos beijamos

Ofereço-te
esta romã no sangue, esta flauta lunar
esta proa de bruma, este sol sem peso
esta espuma que de mim voa



Soares Teixeira – 29-12-2013
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

"ALENTO" - Soares Teixeira








Onde
senão na intimidade do céu
encontramos a cor do sonho?
Onde
senão na espera dos horizontes
encontramos o nosso caminho?
Onde
Senão no absoluto das flores
encontramos a voz do alento?

Sentir…
até ao tecto de nós mesmos
e não achar tecto
mas outro céu
outro horizonte, outra flor
Sentir..
para lá da sabedoria do silêncio
e achar desejo
em ser vento
anterior às rochas
Sentir…
início a atravessar distância
sede sem nome
respiração intacta
de raiz inaugural

Leve
a palavra habita a casa
Leve
a palavra ondula no rio
Leve
a palavra prolonga

Ser caminho que se questiona
Ser certa incerteza
Ser além em qualquer olhar

Ter por casa um rio
e nele navegar
pensar



Soares Teixeira – 26-12-2013
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

"SOLSTÍCIO DE INVERNO" - Soares Teixeira








É tempo de Solstício de Inverno. Alegrai-vos abóbadas escondidas sob as lajes do chão. Irrompei de vós mesmos como súbitos relâmpagos em vós descobertos, decifrados e por decifrar. Aos de olhar inflamado na proa do gesto, digo-vos: Vivam! Gozem! - como sempre fizeram. Aos variáveis na cor da tela da vida, digo-vos: arco-íris e girassol - sempre. Aos que amam a dor de se despedirem das colheres que sentem não deverem alimentar-lhes o sorriso, digo-vos: Há tempo de ser o derradeiro sonho dos que se sonham, há tempo de ser a lágrima da ignota estátua em que se converterá o existir – este é o tempo de assobiar vontades marítimas. Enquanto as árvores tocarem flautas dentro dos ramos, enquanto os pássaros trouxerem nas asas a respiração da liberdade, enquanto os peixes nomearem tudo o que no seu reino é deslumbramento, enquanto os ventos espalharem sementes pelo peito dos horizontes, enquanto as nuvens forem a pátria do coaxar das rãs, enquanto os lagos acariciarem o reflexo do Sol, enquanto os cumes das montanhas forem beijo soprado à Lua; equídeos correrão dentro das minhas veias, nas suas crinas estará a incandescência das galáxias e nos seus cascos toda a avidez da luz. Oh! instantes que chovem dos instantes, saltarei no vosso charco, esfregar-me-ei com a vossa lama, beberei o leite - pelas minhas mãos ordenhado - das vossas vacas sagradas. Afastem-se de mim os amantes titubeantes, afaste-se de mim o cabecear dos que se alimentam da negação dos sonhos, afastem-se de mim os que entrelaçam as mãos nas correntes do medo, afastem de mim a seriedade dos sensores, afastem de mim a voz engomada dos moralistas. Pego nas conveniências, olho-as, rio-me com estridentes gargalhadas de gozo, e atiro-as para longe, para que os ratos as comam. Tragam-me vinho, tragam-me de comer, tragam-me festa – tragam-me os vossos gestos fora das ânforas que sois nos dias vulgares. Cantai comigo, dancemos. Brindemos à Terra, amada fêmea de férteis seios e opulentas ancas. Vestidos do avesso não escondamos que o nosso corpo é uma história por contar. Troquemos presentes. Sê felizes. O Sol vencerá!





Soares Teixeira – 22-12-2013
(© todos os direitos reservados)