O amanhã está disperso na eternidade. A barca já navega,
rumo ao seu destino – ao teu destino, Luís. Agora o único som é o do diapasão
do mistério. Escuto Mozart, enquanto tento reunir algum entendimento disperso.
Aqui as coisas continuam como as deixaste; entre palavras, cordeiros e hienas o
mundo continuará a girar. Debruço-me sobre mim mesmo para observar alguns
promontórios, alguns arquipélagos, algumas aves marinhas. As ausências podem
ser uma espécie de presença forte. Acredito que sim. É bom irmos acreditando
nalguma coisa que nos ajude a não estar tão ausentes de nós próprios. A música
ajuda. Escuto Mozart. A música é aquela pátria onde todos nos reencontramos.
Não é necessário estarmos fisicamente perto uns dos outros para, através da
música, apertarmos a mão, sorrirmos, partilharmos o olhar e aceitarmos a
intromissão dos pássaros. Não me passa pela cabeça fazer outra coisa senão
escrever estas linhas e escutar música. Evidentemente que compreendes. É um
concerto de piano, a minha companhia - obviamente piano. Escolhi Mozart por uma
razão psicológica e sensorial; preciso de claridade. Há uma certa linha
comprida e clara que às vezes se torna necessária, como um fio que nos ajude a
chegar a qualquer lado, a sair de um qualquer labirinto ou simplesmente que nos
una a algo que está longe mas com uma proximidade latente. Evidentemente que
entendes. Dá-me um abraço. Um beijinho à Hermínia, um abraço ao Ricardo. Até um
dia.
(singela homenagem a Luís Manuel Sande Freire, que se ausentou deste mundo a 12 de Julho de 2013, aos 80 anos - um grande Amigo)
Soares Teixeira – 12-07-2013
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