sábado, 15 de outubro de 2022

"DESPIU-SE DEFRONTE DO ESPELHO", JOAQUIM MURALE




POEMA DCCCL

DESPIU-SE DEFRONTE DO ESPELHO FRIO


despiu-se defronte do espelho frio

olhou-se demoradamente

analisou ruga a ruga a ruína a que chegara

o corpo descarnado

os seios pendentes e mirrados

os olhos mortiços

a cerviz vergada

o que por ela poderia alguém sentir?

náusea?

dó?

quem por ela poderia sentir algo?

doentes?

os rejeitados do mundo?

os velhos da sua idade?

e esses para que os quereria ela?

para chorarem a par?

finalmente o espelho deixara de lhe mentir

deixava de lhe servir

cuspiu asco

guardou as memórias numa caixa dourada

apagou o candeeiro

entregou-se às trevas

fechou-se na solidão e saiu na última paragem

 

 

Joaquim Murale, in “o ÀSPERO TEMPO DAS MARIONETAS”, pág 204

Seda Publicações - 2022 


 

Sem comentários:

Enviar um comentário