sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

"FLAUTA" - SOARES TEIXEIRA

 

Abri a porta e saí

e eu sozinho era um cortejo festivo

Para trás deixei gente

que se forçava a acreditar

que amanhã, de si faria

a mais jovem das promessas,

que amanhã, em si seria

a respiração de uma viagem

Amanhã…, sempre amanhã…

amanhã como morada de uma força por acontecer

amanhã como fechadura limpa de ferrugem

amanhã como lugar de searas

Constante criação de amanhãs adiados

Constante morrer de fome por esses amanhãs

Como conheço essa ânsia de pão…

Saí, pois,

como o mais decoroso e indecoroso amante

- a mim me amava!

Extraordinário?

Porquê?

Não me amar seria insultuoso,

seria trair o gesto com que abri a porta

Quis novos pedadagos,

quis novos companheiros,

e fiz dos meus passos, isso que me faltava

Se receava cair, ou perder-me?

Na verdade

para por a salvo os meus dias

qualquer incidente de percurso seria suportável

Familiarizado, que estava,

apenas com metade de mim, ou menos,

a libertação – disso de tratou - não era arrojo,

era desígnio,

não só justo, como urgente

Não tinha a certeza do que teria para escutar

dos meus próprios pensamentos

nem do que teria para lhes dizer

Haveria de descobrir

Afinal, eu era flauta a descobrir horizonte



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Soares Teixeira-14-01-2022

(© todos os direitos reservados






"PÁSSARO QUE SOU" - SOARES TEIXEIRA

 

Em comum com os pássaros

tenho a forma

quando, como eles,

me estendo pelo horizonte

Houve tempo

em que não tinha a percepção

desta semelhança

que agora sinto tão poderosa

Como foi possível

ter havido um tempo

em que eu não concedia a palavra

ao mar e ao céu

para deles escutar esta verdade

que me faz tão feliz:

eu tenho a forma dos pássaros!

Ah!… os caminhos…, os caminhos…,

os caminhos que atravessei

e os que me atravessaram

os caminhos que me entrelaçaram

noutros caminhos

uma, e outra, e outra, e outra vez…,

e isso eram golpes,

no pescoço, nos ombros , nas pernas

e eram tantos os golpes

que eu em vez de andar

dava cambalhotas e rodopiava

Agradeço àquela cigarra

que numa noite de luar

em que eu e os astros nos sentimos

órgãos do mesmo corpo,

me disse:

Dá a palavra ao céu e ao mar”

Sim,

a ‘culpa’ foi da cigarra

foi ela,

que ao unir-se ao momento,

ao fazer parte do tal corpo,

foi ela que me disse

para não voltar a pentear os cabelos

sem primeiro

dar a palavra ao céu e ao mar,

e foi o que fiz,

e quem me penteia agora,

pássaro que sou

dos meus instantes,

é o vento e o meu pensamento,

e nada mais


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Soares Teixeira-13-01-2022

(© todos os direitos reservados





quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

"LIBERDADE" - SOARES TEIXEIRA

 

Não me apetece fazer nada

A minha vontade resume-se a isto:

ser leveza vazia

Entro com agrado no silêncio, nele me acolho

e fico longe de mim,

afastado de uma criatura forjada - eu


A maneira mais correcta de estimar o meu espírito

é deixar necessidades por acontecer

e recordações, e cansaços, e perguntas,

e respostas, às quais muitas vezes me tento ajustar;

é retirar de mim a árdua tarefa de decidir

o que realmente conta e o que não conta


Sou o nada integral

Se estou em concordância ou discordância

com o que quer que seja; isso é-me indiferente

Defino-me da forma mais simples possível: o nada

Agrada-me estar neste limite

que não é limite nenhum – é liberdade



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Soares Teixeira-12-01-2022

(© todos os direitos reservados