quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

"TATUAGEM" - SOARES TEIXEIRA


O poeta recolhe
gotas de orvalho
nas mãos do pensar

De que pedra nasces, poeta?
Que segredo é o teu?

O silêncio é resposta
que faz ninho no ar

E o vento enfuna as velas
desse orvalho
que se faz ao mar,

Isto foi tatuado
nos meus ombros
Por quem?
Não sei

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Soares Teixeira-30-12-2021

(© todos os direitos reservados)


segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

"JOGO" - SOARES TEIXEIRA


Erguer os braços
abrir os dedos e movimentá-los
lentamente
Aproximação
dedos a procurar outros dedos
dedos a encontrar outros dedos
Aprendizagem
dedos lentamente noutros dedos
dedos a tactear outros dedos
As pontas dos cinco dedos de cada mão
a conhecerem outras
pontas de outros cinco dedos de outras mãos
e a conversarem
agora isto, agora aquilo,
agora segredos, agora risos
Dedos empurram outros dedos
tentacularmente
aleatóriamente
mais ou menos força
mais ou menos resistência
Dedos como criaturas distintas
independentes
maior ou menor intuição
maior ou menor entrega
Vinte dedos
cinco de cada mão
dez meus
dez teus
a dizerem baixinho
em surdina
o que só eles sabem
que deve ser dito
como deve ser dito
porque deve ser dito
Confissão, compreensão, carícia
Os nossos vinte dedos
têm olhos, nariz e boca
Os nossos autónomos vinte dedos
têm braços e joelhos
Os nossos vinte dedos
tornam-se
cúmplices donos do tempo
Os nossos autónomos vinte dedos
fazem
descobertas improváveis
Os nossos vinte dedos
brincam, jogam, divertem-se,
e beijam-se
com vinte lábios a vibrar



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Soares Teixeira-13-12-2021
(© todos os direitos reservados)


domingo, 21 de novembro de 2021

"LONGE" - SOARES TEIXEIRA


Pego num lápis e num papel
e começo a desenhar-me
sem pressa
primeiro uma raiz
depois um alongar de raízes
que se estendem até ao olhar
depois uma distância
onde o azul é a única cor
depois um barco
e nele vai preso o Sol - como um balão
Interrompo o desenho
Interrompo-me…,
Fico assim como…,
algo indefinido…,
nem lápis, nem papel,
nem começo, nem desenho,
nem eu...
(se me interrompo deixo de existir)
Momento branco
de olhar vazio
onde o nada é a única superfície
e o único interior
Quanto tempo passa?
O tempo branco é silêncio;
não responde
Ao longe
(não sei que longe)
um chamamento
Reparo que me interrompi em barco
e volto a desenhar-me
tronco, ramos, folhas,
tombadilho, proa, quilha,
alma
O lápis corre cada vez mais depressa no papel
o desenho aumenta, aumenta sem parar
os dedos seguram o lápis com força
e o lápis desenha furiosamente
e o papel quase se rasga
e o barco vai…, vai…,
num mar de lágrimas que ondulam na alma
- vento, tempestade, respiração ofegante
O Sol solta-se do barco,
transforma-se num piano
e fico a escutar o som da música
… que me chama
… de longe
(não sei que longe)
… mas tão perto...


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Soares Teixeira-21-11-2021
(© todos os direitos reservado

domingo, 14 de novembro de 2021

""FUSÃO" - SOARES TEIXEIRA

 

Na praia observo
e ao observar também sou
o ondulante gigante
de cabelos brancos
chamado mar

Na praia escuto
e ao escutar também sou
o incessante bramido
selvagem e sagrado
do humano mar

Na praia alongo-me
e ao alongar-me também sou
distância a despontar
da linha do horizonte
- em nós a unidade, ó mar


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Soares Teixeira-14-11-2021 (Costa da Caparica)
(© todos os direitos reservados)


terça-feira, 2 de novembro de 2021

"A NELSON FREIRE" - SOARES TEIXEIRA

 

Deixaste-nos

e a tua ausência

são lírios curvados

no vazio onde,

olhar sem corpo,

nos sentamos a um canto,

no banco baixo

da tristeza

Quem contempla agora

o teu sorriso brando?

- Aqueles que nos teus dedos

eram presença em luz?

Adeus, Nelson Freire

De ti fica

o teres sido

cascata imensa

na floresta da música

Da tua Obra renascemos

e assim será pelos tempos



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Soares Teixeira-02-11-2021

(© todos os direitos reservados)

domingo, 4 de julho de 2021

"CANÇÃO" - SOARES TEIXEIRA

 

Tenho cem coisas na garganta

Todas são desejo

Quantas têm rosto?...

Quantas têm asa?...

Tenho cem coisas no peito

Todas são mar

Quantas tempestades!…

Quantos lemes quebrados!…

Tenho-me, cem vezes me tenho

dentro e fora

da pedra, da árvore, do rio,

da flor, do insecto, da nuvem,

da cidade, do bairro, da rua

Gosto de andar a pé

e sentir a liberdade de saborear

as minhas espessuras e distâncias

transformadas em linguagem

que ninguém entende

Tenho cem reis na garganta

Tenho cem mendigos no peito

Tenho cem marinheiros nos passos

Tenho cem náufragos na pressa

Às vezes páro para escutar

os segredos dos bancos de jardim

e agradeço-lhes esses momentos preciosos

Às vezes fico íntimo

das palavras que me chegam do chão

e agradeço-lhes com um sorriso de raiz

Gosto de andar por aí;

a deixar-me atravessar por ideias que conheço

e por outras que não conheço,

a ser leite de música

e escorrer sobre cem coisas

Gosto de me arrancar das mãos do medo

e de levar alimento àquele àquele

que está no ninho – e sou eu

que está dentro do ovo – e também sou eu

que está no vento – e continuo a ser eu

Gosto de ser diverso

e afasto-me do cristal sonolento

Gosto de andar como um gato

nos telhados dos instantes

e olhar a Lua

com estes cem olhos que tenho na alma

Não me peçam viagens sem voz

Eu canto-me em todos os lugares onde vou


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Soares Teixeira-19-06-2021

(© todos os direitos reservados)


domingo, 9 de maio de 2021

"RECEITA CASEIRA" - SOARES TEIXEIRA

 

Num chá

de folhas de luz

adicionem-se

umas gotas de além


Beba-se

por uma chávena de olhar

com lábios de abstracção

lentamente


A dado instante

os instantes desaparecem

e tudo é plenitude

é a eternidade a fazer efeito



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Soares Teixeira-09-05-2021

(© todos os direitos reservados)




quarta-feira, 24 de março de 2021

RECORDANDO A VIDA DE OFICIAL DE MÁQUINAS MARÍTIMAS

 

        


Recordando quando fui Oficial Engenheiro Maquinista da Marinha Mercante



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

"CHOCOLATES" - SOARES TEIXEIRA

 

Os chocolates são bons

mas sabem melhor ainda

quando comidos num ócio

a sobrar do tempo

Dentes boémios

mordem a matéria idílica

e a língua, dentro da boca

vai movendo o dorso de nuvem

com lento prazer

Gosto de fazer a vontade aos chocolates

e sorrir para dentro de mim

ainda que um ou outro canto de lábio

denuncie ao mundo o meu deleite

ao comê-los suavemente

como se estivesse a produzir vagar

e essa fosse uma tarefa

a que tivesse de prestar contas

no livro de deve e haver dos meus sentidos

É bom

deixar-me desgovernar por chocolates

e saber disso

e olhar para o outro lado

para o Belo com que o mundo fica vestido

quando estou a comer chocolates

principalmente

se comidos

em longo e manso ócio

Chocolates…

O poder que têm em mandar embora

toda a ciência, toda a filosofia!

Deuses?

Qual quê!… Chocolates! Isso sim!

Heróis?

Que pequenos são, comparados com os chocolates

Poesia?

É boa para embrulhar planetas

Chocolates

Tragam-me chocolates

e com eles viajarei pelo meu reino



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Soares Teixeira-10-02-2021

(© todos os direitos reservados)




terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

LA VOGATA DEL SILENZIO

 

Carnaval de Veneza


É à meia noite da terça feira de Carnaval que em Veneza acontece "La Vogata del Silenzio". De Rialto a São Marcos uma procissão de dezenas de gôndolas desliza em silêncio pelo Grande Canal. Ninguém fala para não perturbar o mistério e o encanto. A iluminação é a das pequenas luzes das embarcações, a que decora as varandas e janelas dos palácios, e o luar. Em São Marcos as gôndolas juntam-se em volta de um animal gigantesco que está sobre uma plataforma flutuante (um touro, no ano em que fui neste desfile mágico). Incendeia-se o Carnaval velho, assim o celebrando, e saúda-se o que há-de vir. Em seguida é o fogo de artifício. E pronto, é o fim. Caímos na realidade. Mas um último olhar de já saudade pergunta: Será mesmo o fim? "La Sereníssima" responde-nos dentro da alma.



CARNAVAL EM VENEZA









 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

"OS CAVALOS" - SOARES TEIXEIRA


Parecem tão definitivos

os cavalos

quando correm em liberdade

pelas planícies

Não receiam nenhum chão

não temem nenhum vento

não se negam a nenhum horizonte

Belos

em cada músculo

em cada movimento

em todas as certezas

As paisagens

vão ficando

debaixo das suas patas

O tempo

cheira-lhes as crinas

e tenta abraçar-lhes o pescoço

mas não consegue

porque eles são mais velozes

que pensamentos

que estes meus pensamentos

vindos não sei de que águas

de que recantos ou de que caminhos

Nesta nudez de alma

partilhada não sei com que astro

preciso destes meus cavalos;

de os ver nascer

de os sentir surgir

alados

de um qualquer lugar no universo

para depois poisarem

nas minhas planícies mentais

belos

preciso de vê-los correr

livres

no meu chão de cicatrizes

que eles não receiam, não temem

e a elas não se negam

Corram, corram meus cavalos

para que eu vos inveje a liberdade

para que eu não desista de vos amar e seguir

para que eu não desista de mim

Venham, cavalos meus

de um qualquer sol

ou de um qualquer verso

venham

erguer-me em mar a ondular e a voar

no céu que eu escolher




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Soares Teixeira-09-02-2021

(© todos os direitos reservados)



domingo, 31 de janeiro de 2021

FRANZ SCHUBERT

 



GLÓRIA A SCHUBERT


O Impromptu nº 3 numa soberba interpretação de Vladimir Horowitz









sábado, 9 de janeiro de 2021

PEIXES - SOARES TEIXEIRA

 


Esta fotografia foi tirada há 10 anos, recorda-me uma rede social. Eu e a minha Amiga Garda (fantástico talento musical) num dos muitos eventos a que na altura ia - por dever, porque convite, ou porque calhava. Espero que numa "Era pós Covid" a minha/nossa normalidade regresse.
Acabámos de recordar este encontro ao telefone numa conversa que, como hábito, terminou com a minha leitura/declamação de vários poemas. Dez anos passaram - coincidência? - uma alegria enorme ao ser agradavelmente surpreendido com a manifestação de apreço por poema meu, por parte de uma Imensa Figura Artística que tem deslumbrado o mundo. (por recato não revelo o nome).

Mas porque o tempo que vivemos é triste e de reflexão aqui deixo:

 PEIXES


Vamos pelo tempo

como peixes

lançados num rio

e as águas mudam

e fazem-nos mudar


Os dias constroem casas

feitas de instantes

onde todos entramos e saímos

como convidados

do inevitável


Peixes diversos

deixamos correr

por nós adentro

as águas

que nos aproximam do mar


Todos temos uma porta

com uma rã a coaxar 

as coisas do seu lago

sem saber quando rodarão

as dobradiças do tic-tac



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Soares Teixeira-08-01-2021

(© todos os direitos reservados)