domingo, 29 de junho de 2014

"NÃO, NÃO ME RETIRO DE MIM" - Soares Teixeira








Não, não me retiro de mim. No meu corpo circula o sangue de tudo o que não tem peso; daquele planeta distante onde as árvores abrem as suas almas às estrelas; daquela página de água onde os peixes escrevem viagens e mistérios, com palavras de longas barbatanas translúcidas; daquele odor a argila que se liberta dos recantos das lendas; daquela vibração que se prolonga do eco das perguntas das montanhas; daquela sabedoria solar que faz com que a luz cresça dentro do pássaro, da pedra e da flor; daquele touro que não conhece a sua nudez, nem a nudez da terra nem qualquer outra nudez; daquele canteiro de sílabas  que está junto da porta do horizonte; daquele abraço inaugural com que os rios correm para o sonho; daquele porto que o incrível prometeu aos navios das coisas e dos olhares. Não, não me retiro de mim. Incorporo o relâmpago no gesto com que me liberto para a sublevação das cores, incorporo o som estridente das pandeiretas da liberdade, incorporo o ar recém-nascido da descoberta. A minha túnica foi tecida com fios de vento e vou descalço como luar que beija o orvalho - assim celebro o fogo sagrado. Não, me retiro de mim.


Soares Teixeira – 28-06-2014
(© todos os direitos reservados)

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