Não, não me retiro de mim. No meu
corpo circula o sangue de tudo o que não tem peso; daquele planeta distante
onde as árvores abrem as suas almas às estrelas; daquela página de água onde os
peixes escrevem viagens e mistérios, com palavras de longas barbatanas
translúcidas; daquele odor a argila que se liberta dos recantos das lendas;
daquela vibração que se prolonga do eco das perguntas das montanhas; daquela
sabedoria solar que faz com que a luz cresça dentro do pássaro, da pedra e da
flor; daquele touro que não conhece a sua nudez, nem a nudez da terra nem
qualquer outra nudez; daquele canteiro de sílabas que está junto da porta do horizonte; daquele
abraço inaugural com que os rios correm para o sonho; daquele porto que o
incrível prometeu aos navios das coisas e dos olhares. Não, não me retiro de
mim. Incorporo o relâmpago no gesto com que me liberto para a sublevação das
cores, incorporo o som estridente das pandeiretas da liberdade, incorporo o ar
recém-nascido da descoberta. A minha túnica foi tecida com fios de vento e vou
descalço como luar que beija o orvalho - assim celebro o fogo sagrado. Não, me
retiro de mim.
Soares Teixeira – 28-06-2014
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