Ser
rio de olhos fechados, sem queixumes reais ou inventados, ir apenas, sem
vontade de um direito ou avesso, e sem entrar ou sair de qualquer esforço, e
sem fome de qualquer sonho ou sede de qualquer desejo, de qualquer superfície
adormecida ou acordada, de qualquer ideia recta ou curva, de qualquer segredo
habitado ou desabitado, e sem o amanhecer de qualquer sorte, e sem cisterna a
receber poente, e sem vestíbulos urgentes. Instante leve, tão leve como um dia
sem horas a esgravatar os espaços, instante criança onde tudo é território dos
cabelos que ondulam na claridade, como serpentinas, peixes e algas a flutuar
num território além-ser. Nada ter nos bolsos das pálpebras, nem um pássaro, nem
uma rede de pescador, nem um pinheiro a caminhar – absolutamente nada para
comer com a razão ou sem ela. Sim, ser rio e passar pelas margens de olhos
fechados, ser rio e seguir como rio dentro da viagem, ser rio sem testa e sem
ombros e sem pés, ser rio sem causa ou gramática. Sim, ser rio ao aspirar o
aroma da rosa, ir, apenas ir, e ir ficando nos dedos do seu perfumado encanto.
Soares Teixeira – 11-05-2014
(© todos os direitos reservados)
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