segunda-feira, 19 de maio de 2014

"BACH" - Soares Teixeira









Vejo-me sentado numa superfície
sem matéria sem medida sem nome
tenho as pernas cruzadas
e estou entre eles
pequenas crianças descalças
de grandes asas fechadas
que estranhamente não me surpreendem
apesar da agudíssima brancura
das suas longas penas
sonâmbulas serenas secretas
num descanso que oculta infinito e fulgor
o que me surpreende nesses belos seres
são os seus olhos muito abertos
como se neles coubessem todos os astros
que nos rodeiam
uns olhos de princípio enamorado pelo além
uns olhos de lucidez em flor
uns olhos de veemente apoteose
e ao mesmo tempo de puro sossego
a nascer desse mesmo sossego
por vezes mexem lentamente
os dedos dos pés e das mãos
um movimento que me parece inconsciente
mas em que sinto alguma volúpia
sorriem com lábios vagarosos e quase evanescentes
parecem não dar pela minha presença
toda a sua atenção converge para a única certeza
que faz companhia aos deuses
música
junto-me à sua unidade
afasto a sílaba e qualquer vértebra de pergunta
escuto apenas
só o inominável festeja o absoluto
escuto apenas
Bach




Soares Teixeira – 18-04-2014
(© todos os direitos reservados)

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