terça-feira, 28 de janeiro de 2014

"MOZART" - Soares Teixeira








Escuto Mozart
Mozart
eco     aliança     unidade
corpo de respiração e ritmo
tranquila brancura de cisne
a deslizar no lago
onde o infinito se reflecte
seiva     fogo     flor
ponto mais alto de um gesto
de humana divindade
pórtico de contentamento
coluna da altura do êxtase
claridade     claridade
música de vinho e mel
viçoso pomar de música
solar vento musical
alegria
Escuto Mozart
e não quero ter esquadria
quero-me apenas
linha curva     linha interrompida
linha inquieta     linha de sede
sede de voar
sede sideral
ir
sobre a majestosa asa
dele
de Mozart
Ah! Escutem também
escutem
sintam e vejam
saltitar os sons como sílabas
a brincar com bonecos de ar
delicada cascata
nua     fresca     fácil
leve
Ah!
tanto rio     tanto mar
tanto horizonte
tanto firmamento
simples     solene     sagrado
este chamamento
apetece chorar
Escuto Mozart




Soares Teixeira – 27-01-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

"NOITE" - Soares Teixeira








Noite
os astros alongam-se
em vogais e consoantes
viajam
na expansão dos espaços
e as suas sílabas são pétalas
de uma praia em flor
É nas suas águas
que o meu olhar pronuncia
a palavra horizonte
e nelas escuto
o cântico da luz
a entoar
o intacto sossego
onde sou onda
íntima dos navios
Noite finíssima
a brotar de si mesma
delicado ninho de infinito
Noite de búzios com asas
celeiro de leveza
e de abundantes mistérios
na árvore das folhas transparentes
Noite
e uma pausa branca
na polpa da paz primordial
sou eu
essa pausa
este ritual
na clareira de um pensamento
sem centro nem orla
eu
este intervalo
que me aconteceu



Soares Teixeira – 23-01-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

"AO PAULO" - Soares Teixeira








A casa escura
deslizou no assobio do vento
e ficou suspensa
sobre a tua cabeça
ouviste uma pancada
depois
o som de passos
a descer uma escada
era ela
a morte!
Comboios em chamas
esmagaram-te as têmporas
facas cravaram-se
na medula do teu olhar
enquanto serpentes
te engoliam por dentro
Passo a passo
a morte descia a escada
e enquanto descia
ia arrancando as tuas raízes
uma a uma
ia rasgando os teus instantes
um a um
ia-te vestindo de silêncio
ia-te deitando na planície do nada
Quando finalmente
os pastores se afastaram
os rebanhos devoraram a luz
e tudo se tornou fósforo queimado
caiu-te sobre o rosto
a máscara do infinito
morreste
e foi assim
morto
que ela te levou para a sua casa
a casa escura
que voltou a deslizar
no assobio do vento
Adeus amigo
lembra-te do mar




Soares Teixeira – 21-01-2014
(© todos os direitos reservados)



"LUA CHEIA DE TEMPO PARA MIM" - Soares Teixeira








Lua     cheia de tempo para mim
meu amor
eu
este promontório e canto
que tão bem conheces
eu
respiração de olhar a envolver a noite
e todos os inícios que nascem da noite
prometo dar-te tudo
pede-me tudo o que quiseres
tudo
e será teu
pede-me a lua que está dentro de mim
será tua
assim como será teu este nocturno sol
onde sou leve
onde brilhando leveza
liberto o trigo e o touro que sou
e a ordem e a desordem onde estou
e os instantes que me servem de pele
liberto-me meu amor
liberto-me para o teu sabor
liberto-me para o teu cheiro
sabes a mel
cheiras aos bosques onde me sinto inteiro




Soares Teixeira – 16-01-2014
(© todos os direitos reservados)



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

"RENASCER" - Soares Teixeira




                                                        Fotografia de Mendes Domingos



Ondulantes lábios
de espuma
branca
brincam     belos     beijam-se
cada um parece uma multidão
de pequenos animaizinhos
unidos pela mesma canção
pela mesma dança
pelo mesmo diz-que-disse
“Lembras-te daquela praia?”
“Lembras-te daquele navio?”
“Lembras-te daquele peixe?”
“Era uma sereia!”
“E acenava-nos com a mão!”
pela mesma traquinice
pelo mesmo íntimo abandono
pela mesma viagem
pelo mesmo destino
e na praia um menino
a receber o mundo nos tornozelos
a sentir a espuma fresca
entre os dedos dos pés
“E tu quem és?”
perguntam-lhe de súbito
mil vozes em coro
enquanto mil braços
lhe abraçam as pernas
como se abraçassem um tesouro
“Eu sou aquele
que desde longe vos aconteceu
Eu sou aquele
que vos espera
Eu sou a vossa quimera
Eu sou aquele
que em vós renasceu”




Soares Teixeira – 14-01-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

domingo, 12 de janeiro de 2014

"PAISAGEM" - Soares Teixeira




Fotografia © Gugul (Raul)





Três quartas partes de mim
são céu
anterior ao crepúsculo que sinto na garganta
espaço sem nome
onde habitam as coisas por mim recordadas
e que dançam na boca de uma luz ausente
o resto é chão
com um frasco sem ilusão




Soares Teixeira – 12-01-2014
(© todos os direitos reservados)



quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

"ARTE" - Soares Teixeira




                                                                                      Danny Boulet, Photo © Ernie Sapiro




A arte de caminhar
sobre as águas do poema
como uma praia sem peso
que se eleva sobre o mundo
em deslumbrada ascensão
essa é a arte
que o olhar respira
depois da máscara ter cumprido a sua função
e repousar na prateleira sem plenitude

A arte de tornar azul o destino do poema
a arte de ser cálice
feito com o metal da sílaba ardente
a arte de ser paisagem
em aliança com o ser
a arte de ser diapasão do instinto
a arte de descobrir as plantas carnívoras
a arte de viver
depois de sobreviver



Soares Teixeira – 08-01-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

"HÁ POEMAS" - Soares Teixeira




                                                                          (Fotografia de Mendes Domingos - que inspirou o poema)



Há poemas que são praias onde costumo ir
caminho na areia     vejo o mar     sinto as aves
estendo as mãos ao Sol
deslumbro-me     espreguiço-me     desdobro-me
às vezes sou navio     outras arquipélago
É bom ter poemas assim
praias para andar por ali
por aquele chão tão meu     tão secreto     tão real
andar por ali     a ser livre     a ser eu
até à matinal frescura da última palavra



Soares Teixeira – 07-01-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

"ACREDITAR" - Soares Teixeira








Quando a minha descrença é vertical
sinto o mundo debaixo dos pés
este meu mundo que trago aceso no peito
jovem, forte, telúrico
ardósia dos meus passos
da minha presença a transpirar espaços
onde me alongo em assinatura
de tudo o que em mim habito
de tudo o que em mim habita
de tudo o que procuro
de tudo o que me procura
depois
vestido de azul
de certeza escrita pelo mar, pelas árvores
e pelos pássaros que me acontecem
nesta leveza de ser pensamento livre
esculpido pelo paraíso
que a cada instante me faz
além página de mim mesmo
porque
além murmúrio das flores     sou
porque
além alegria das cascatas     sou
porque
além milagre     sou
depois …
depois ergo os olhos ao alto
e acredito nas pupilas que me observam
por entreabertas portas de fogo
na primavera de cada constelação
nos poemas escritos pelos cometas
nas amendoeiras do infinito
e em tudo o mais que me mandar acreditar
esta liberdade que me leva pela mão



Soares Teixeira – 05-01-2014
(© todos os direitos reservados)