sábado, 29 de junho de 2013

"A CEREJA MUSICAL" - Soares Teixeira







Seguro entre os dedos
a sensual molhada e rubra cereja
que como um arco de violoncelo
faço deslizar sobre o teu corpo
O gesto termina
quando te passo por entre os lábios
o fruto que te tornou num longo ré bemol
Coloco-me sobre o teu arrepio
e vibramos
primeiro lentos depois violentos
até que voamos pelas constelações
Andrómeda     Orion
Cassiopeia       Centaurus
finalmente Orgasmo
Depois regressamos
ao nosso planeta
e comemos a cereja musical


Soares Teixeira – 23-01-2013
(© todos os direitos reservados)

domingo, 23 de junho de 2013

"EU TE SAÚDO LUA" - Soares Teixeira







Eu te saúdo Lua
cheia de ti e de mim

porque nada mais tenho para te dar
torno alados os oceanos
concedo voz às montanhas
liberto manadas de touros milenares
e neste movimento
de corpo a nadar nos céus
levo-te a vontade de ser
início dos teus caminhos
e fim da minha procura

Eu te saúdo Lua
cheia de nós e de todos

porque nada mais tenho para te dar
entrego-te a minha respiração
enquanto canto os espaços
que se desenrolam do meu peito
entrego-te também o silêncio
que nasce do fim da fadiga
de te tentar alcançar
porque me puxaste para o teu rosto
quando me viste já sem regresso

Eu te saúdo Lua
aceita este meu corpo
em que a matéria se torna beijo



Soares Teixeira – 23-05-2013
(© todos os direitos reservados)

sábado, 22 de junho de 2013

"CALÇO AS SANDÁLIAS" - Soares Teixeira







Calço as sandálias
e os meus pés brilham como romãs
e são a véspera de toda a descoberta
Os caminhos procuram-me
Os instantes estendem-me
os seus pescoços de cisnes brancos
Cravos de sangue percorrem-me as veias
e a minha pele torna-se vegetal
Abro os lábios
Respiro azul
Demoro-me
Intenso    suspenso
como uma palavra sobre o oceano

espero uma brisa para seguir viagem

Demoro-me
dentro de um tempo que cai do tempo
Há uma voz que me procura
Estou no princípio e no fim de mim mesmo
estou na árvore que me pede água
estou na planície que me pede montanha
As minhas sandálias
são tudo o que tenho neste mundo
As minhas sandálias
são o meu mundo
As minhas sandálias sou eu
dentro deste corpo
onde o sonho me abre as pálpebras



Soares Teixeira – 22-06-2013
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 18 de junho de 2013

"LUTA" - Soares Teixeira






Um dia aconteceu-nos liberdade
e o medo caiu de podre
porque soube que nunca mais
seria o nosso alimento

Um dia aconteceu-nos liberdade
e a nossa respiração
deixou de pertencer
aos que nos amordaçavam

Um dia aconteceu-nos liberdade
e descobrimos
que podíamos ser inteiros
dentro de todos os nossos instantes

Um dia aconteceu-nos liberdade
e só agora reparamos
que nos esquecemos de perguntar
até quando?

Ardem as crinas do potro solar
quebram-se as palmeiras de cristal
as manhãs entornam-se dos espelhos
o trigo do peito torna-se frágil

Céus   mares   
espalhem o grito
e procurem outros gritos como este
acontece luta


Soares Teixeira – 15-06-2013
(© todos os direitos reservados)

sábado, 15 de junho de 2013

"O menino de sua avó"








Fui sexta-feira ver "O menino de sua avó", no teatro A Barraca. Já vi muito teatro. Já vi muito bom teatro. Já vi interpretações memoráveis - não só em Portugal. Esta peça é do melhor que já vi. Da autoria de Armando Nascimento Rosa "O menino de sua avó" é um insólito, divertido e terno dueto cénico entre Fernando Pessoa e a sua avó, que tinha problemas sérios de demência e viveu com o poeta na mesma casa. A Grande Dama do Teatro Português Maria do Céu Guerra (no papel de avó) tem um fabuloso desempenho - de antologia, e Adérito Lopes também nos oferece um muito convincente Pessoa. Durante duas horas assistimos ao desenrolar de uma surpreendente obra onde pela magia do Teatro tudo é possível, mesmo o improvável e o impossível. Ir ao Teatro é sempre uma atitude saudável e nos tempos que vão correndo é urgente. Quando em certos meios nos impõem a mais repugnante pimbalhada e nos empurram para o tóxico consumo do fútil e fácil - enquanto a liberdade é um valor cada vez mais questionável - convém não esquecer que temos o dever para connosco de estar presentes nos nossos dias, sair da casca, caminhar em frente, e ter asas e dizer às nossas consciências: presente.


"SOMOS LEVES" - Soares Teixeira







Somos leves
olhamos em frente letra a letra
sem pressas
e os nossos corpos são feitos
com o acordar dos pássaros
Somos leves
entre as raízes das cores
que se estendem pela nossa claridade
e no aroma de tudo o que é belo
e promete ser mais belo ainda
Somos leves
diante do mundo e diante dos instantes
Somos uma ovelha no campo de um verso
branca    silenciosa 
Somos uma flauta a flutuar num segredo
longa    liberta
Somos leves
caminhamos com vagar interior
e ao caminhar vamos ficando
nos arbustos de cada instante
Somos leves
e avançamos juntos de dedos enlaçados
como caules de flores que prometem ser únicas
Somos leves
e no nosso mundo fresco e sem peso
recebemos a grande praia transparente
dos amanhãs que se anunciam
Somos leves
como um princípio que ainda tem de ser dividido
Somos leves
e os nossos lábios serão o início de toda a obra




Soares Teixeira – 18-04-2013
(© todos os direitos reservados

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Junho está estranho








Junho está estranho. Apetece-me Bach. Não apenas escutar Bach mas emergir da música do Mestre e ir ao encontro de lugares iniciais. Lugares de mistério e sossego situados entre galáxias longas e lentas, como flores de tédio. Apetece-me ficar na proa do navio da música de Bach e deixar-me ir no poema dos sons. Apetece-me abrir os braços à claridade da grande música e ser apenas espírito. Prescindo de tudo o que ornamenta a vaidade dos bichos menores e prescindo até desses mesmos bichos. Prescindo mesmo do meu baú de sonhos. Apenas música, só música, como alimento e viagem.

domingo, 2 de junho de 2013

"MAR" - Soares Teixeira



Praia do Magoito (02/05/2013)




Mar
escuto a tua voz
escutas o meu silêncio
ambos sabemos
que sou eu o inacabado
por isso perante ti
faço-me templo
as minhas colunas
têm a altura do voo das gaivotas
as minhas abóbadas
nascem no sol
e este chão
é o respirar da tua superfície

queres saber de que são feitas
as minhas paredes?
elas são o vento a bater
em falésias de um eu
por acontecer

queres saber como são
as minhas portas?
são estes braços estendidos
para  receber
os teus abismos e milénios

queres saber se tenho janelas?
sim tenho janelas
tenho milhões de janelas
por onde entra a claridade
e uma outra
imensa sem fim
que me faz falar-te assim
uma janela
do tamanho da liberdade



Soares Teixeira – 02-06-2013

(© todos os direitos reservados)