segunda-feira, 20 de julho de 2009

Lua

Cumprem-se hoje 40 anos que o Homem pisou a Lua. Nunca encarei tal facto como um atentado à ordem do Universo ou um desrespeito a qualquer Criador, nem senti qualquer preocupação pela sorte dos astronautas, pelo contrário, senti fascínio, e depois quis ser astronauta. Preocupações, e grandes, tive eu quando o Homem pisou a Terra. Exactamente. Quando eu era daquela idade em que, de bicos de pés, os olhos pouco passam do parapeito da janela deram-me um globo terrestre. Um deslumbramento; rodava e, quando se acendia um interruptor, ficava iluminado, com os países às cores. Tinha-o ao lado da minha cama, em cima de uma pequena estante com livros. Um dia resolvi colocar um boneco (Índio ou Cowboy, não me lembro) sobre o globo - naquela altura as minhas mãos serviam de locomoção a bonecos que andavam por muitos e estranhos sítios ao som de uns "Pum, pum, pum... vssittt, vssittt, etc). E então aconteceu... girei o globo e o homem caiu. Fiquei perplexo, voltei a colocar o homem em cima do globo, voltei a rodar o globo e o homem voltou a cair - fiquei aterrado. Olhei para o mundo e imaginei os chineses, de cabeça para baixo, a cairem por esse vazio. Mas... então... coloquei o mundo ao contrário, com a China para cima. Olhei muito sério e fui ter com a minha mãe numa aflição mal contida. Levei-a a ver o mundo, o meu mundo às cores, belo e luminoso, e que de repente me revelara tão grande perigo. Iria acontecer uma grande desgraça? A minha mãe riu-se e eu fiquei secretamente melindrado (e cheio de pena dos chineses porque no mundo verdadeiro eu estava em pé, logo seriam eles a cair). Insisti, de braços estendidos. "Mas as pessoas não estão presas ao chão! E os mares?". Explicações... explicações... mas cá no íntimo, bem no íntimo, eu sofria. Os meus brinquedos foram atenuando o trauma existencial até que, antes de adormecer, já desligava a luz do globo terrestre sem me preocupar com as pessoas que viviam do outro lado do mundo e que afinal, vim a descobrir, não eram só chineses.
Muitos anos depois, no Japão, telefonei para minha mãe. "Mãe estou em pé. Cada um está do outro lado do mundo e nenhum cai". Rimos os dois.
Quanto à Lua. Bom... vai assistindo a estas coisas. Uma boa amiga.


Soares Teixeira