sábado, 4 de julho de 2009

O Barco do Barreiro

O Barco do Barreiro marcou uma época e marcou a vida de muita gente, a minha também. Meia hora de travessia entre a Estação do Barreiro e a do Terreiro do Paço, em Lisboa. Nessa meia hora lia-se, estudava-se, fazia-se renda, conversava-se muito. Havia três pisos para os passageiros - o mais inferior, abaixo da linha de água, era quase claustrofóbico. Havia primeira e segunda classe - depois surgiu a classe única. E havia aquele deck no piso superior, na popa do navio, que era a delícia dos turistas. Eu chamava-lhe 'a varanda' - no topo do mastro havia sempre uma gaivota. Nos velhos Barcos dos Barreiro apesar da travessia ser demorada, havia tempo para fazer coisas. Muita gente vestiu camisolas feitas no barco, tirou cursos cujas matérias eram estudadas no barco.
Foi no Barco do Barreiro, numa travessia para Lisboa, que tomei a decisão de me tornar Oficial da Marinha Mercante. O Tejo foi minha testemunha.
A decisão cumpriu-se. Às vezes, por esses oceanos do mundo, sentia-me gaivota poisada no mastro do instante, depois de voar pelo azul que me recebia, como em tempos recebeu aqueles que saíram do país do horizonte; era Portugal a sair do seu peito.
Hoje aqueles barcos já não existem, foram substitudos por outros mais rápidos, onde o tempo quase torna o Tejo uma banalidade. Hoje já não ando embarcado. Hoje as coisas são diferentes. No entanto, aquele barco... aquela gaivota... ainda existem, existem no Tejo da minha saudade. E não só, existem também no Tejo da Língua Portuguesa.



(Fonte: sítio da CP - 150 anos de História, Capítulo 19)


Soares Teixeira

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