quinta-feira, 7 de agosto de 2014
terça-feira, 5 de agosto de 2014
"VÉSPERA" - Soares Teixeira
A noite conversa com o Tejo
e todas as palavras são escritas
na superfície das águas
ergo a cabeça e bebo astros
(bandos de pássaros com olhares de
infinito)
deixo-me ir
sou uma cidade de onde todos já
partiram
resto eu
com um saco de serenidade ao
ombro
vou
caminho em frente
percorro solitário e frontal a
última rua
o próximo passo é numa praia
lunar
onde o meu corpo será véspera
de eternidade
Soares Teixeira – 05-08-2014
(© todos os direitos reservados)
"SAÚDO-TE LIBERDADE" - Soares Teixeira
Liberdade, saúdo-te como se
crescesse num cravo branco, um grande cravo no alto de um promontório onde se
ouvem as sereias cantar – e que canto… tão próximo da claridade, e da dor.
Liberdade; minha palmeira reflectida em tantos espelhos; meu animal esbelto que
bebe água no lago da luz sempre matinal; meu trigo a cantar chão e céu.
Liberdade, saúdo-te! Daqui, deste promontório onde sou barca que cresce num cravo
branco e aspira voar até à serena navegação entre os astros. Saúdo-te imaculado
clarão inicial, saúdo-te nascente da água que é começo da primeira festa.
Saúdo-te, liberdade para regressar ao magma que fui; à rocha onde me descobri; ao
mar onde me deslumbrei; ao pântano onde lutei; ao prado onde pastei; à árvore
em que me transformei; ao céu para onde voei; às asas onde me demorei. Saúdo-te,
canto e dança do silêncio; saúdo-te, pão e vinho da minha viagem. Saúdo-te! Aberto
como aroma de romã a beber além. Já sem pés onde possa bater o coração da
terra; já sem coxas onde se possam enrolar as ervas dos instantes; já sem
ombros onde possam poisar os olhos das nuvens, saúdo-te liberdade! Já só barca
a ascender à brisa; já só breve toque no belo cravo branco, saúdo-te liberdade!
Saúdo-te liberdade e vou. Vou, até ser procurado por um nome – e de novo
recomeçarei.
Soares Teixeira – 04-08-2014
(© todos os direitos reservados)
domingo, 3 de agosto de 2014
"SER AGOSTO A BEIJAR O MAR" - Soares Teixeira
Agosto beija o mar
a nossa praia é a areia fina da alegria
estamos descalços
os pássaros não precisam de sandálias
para voar
e nós saboreamos a festa azul do beijo
voamos sim
entornados na liberdade dos ventos
e na respiração das nuvens
asas abertas de sol feliz
como se sentíssemos
que estivemos tempo demais
poisados num ramo de árvore
ali sem ser lábios a brilhar em lábios
quanto tempo?
dois minutos? Um minuto?
demasiado! Uma eternidade!
Voar! Voar! Sim! Voar
em beijos!
ser Agosto a beijar o mar
Soares Teixeira – 03-08-2014
(© todos os direitos reservados)
sábado, 2 de agosto de 2014
"FRIO" - Soares Teixeira
Frio
nas cadeiras vazias das escolas
destruição
e ela, bêbeda
cospe nas paredes ensanguentadas
dança como uma hiena em chamas
e o seu riso assobia
nos olhares estilhaçados das
crianças ausentes
é ela
a guerra
ratazana que o dinheiro engorda
Frio
o amanhã não aquece os meninos
vejam-nos a chorar a última hora!
as meninas sentem-se mascotes do
negro
ouvem-nas bater os dentes –
geladas?
os professores vão nas mandíbulas
dos lagartos
oiçam o som do seu silêncio!
Frio
uma comprida unha, suja de ácido
e vómito
rasga os caules das flores
e os instantes assistem
impotentes
à dor do futuro degolado
Frio
até os gritos gelam nas gargantas
Soares Teixeira – 02-08-2014
(© todos os direitos reservados)
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
"VOZES" - Soares Teixeira
As vozes das casas
falam ao ouvido do mar
casas antigas
onde durante gerações
uma raça de gente foi lida pelo
barcos
que na praia
como animais sem sono
olhavam para os olhares e para os
gestos
dos seus donos
e tentavam ler-lhes lá ao longe
no horizonte da retina
quais os seus pensamentos
e depois ouviam-nos, transformados
em palavras
de formas caprichosas
“vamos, que o mar promete”
“mar dum raio, é melhor ficar em
terra”
“é dia de cuidar das redes e dos barcos”
“safámo-nos de boa!
“mas porque é que eles não
chegam?”
(ah! gargantas sem sexo nem idade!)
todas elas palavras de timbre
calejado
sílabas salgadas e com cabeça de
espuma
consoantes e vogais talhadas ao
jeito das ondas
e do horizonte e da única
certeza: a incerteza
ao lado dos seus donos os barcos
viam mulheres
estranhas criaturas com olhos que
pareciam mares
e corpos de animais feitos para
parir ilhas
umas como elas outras como eles –
os donos dos barcos
mas quando estavam na praia
os barcos também olhavam para o
mar
e sabiam os nomes dos outros
barcos, dos peixes,
dos lugares e das gentes que ele fez
suas
e sabiam isso porque tinham o dom
de ler nas ondas
As casas estão vazias
já não há guelras nos beijos, nem
escamas nos abraços
nem redes nos gestos, nem barcos
nos olhares
já não há nada
nem telhados onde se adivinhavam
constelações
nem portas que as crianças cruzavam
como peixes luminosos
nem janelas a cheirar a algas
há buracos abertos nas paredes
como órbitas vazias
de caveiras alheias aos dias
carregados de olhares
e as constelações são o único
tecto do abandono
O vento sopra e para ele não há
noite ou dia
sopra e como um peixe cego e
surdo
adianta-se na praia sem barcos e entra nas
casas
e então
então acontece aquilo que as
constelações jamais poderiam imaginar
o vento deixa de ser um peixe
cego e surdo
e passa a ser um peixe que vê tudo
o que flutua no tempo
e ouve tudo o que se desprende das
casas abandonadas
“são as vozes das casas a falar
ao ouvido do mar”
diz o vento
àquele barco lá ao longe
que lentamente passa e ao passar
se recorda
de casas assim, como aquelas
mas num outro lugar
Soares Teixeira – 01-08-2014
(© todos os direitos reservados)
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