quarta-feira, 11 de junho de 2014

"POETISA" - Soares Teixeira









Cresço na pergunta que te quero fazer
rapto-te da tua órbita
encosto-te a um planeta ignorado
e sussurro-te ao ouvido:
Como queres que te chame?
centelha de silêncio, ebriedade,
manhã do desejo, amante,
musa, fêmea dos seios fulgurantes,
ou sacerdotisa?

Mordes-me os lábios
consinto ser fruto acabado de colher
abraças-me
sou riso de ser onda a nascer dos espaços
rimo-nos da nossa carne transparente
libertamo-nos de tudo o que dos outros há em nós

Iniciamos a nova era do relâmpago?
perguntas-me
Sim Lua sim e como te chamarei?
olhas-me nos olhos
unidade
neste novo planeta apenas por nós habitado
Chama-me poetisa



Soares Teixeira – 11-06-2014
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 10 de junho de 2014

"A LÍNGUA PORTUGUESA" - Soares Teixeira








Quando as aves
alongando-se
em baixelas de leveza
íntimas do ar
espelhadas no mar
belas
vão
continuamente saindo
da retina da realidade
continuamente entrando
na pálpebra da saudade
livres
inteiramente descoberta
a respirar descoberta
vão
orvalho de espaço
a rolar nos espaços
intacta beleza
frontal
ao antes, agora e depois
ao sempre inicial
elas falam
e tu
Camões
descobriste
mostraste
mostras
e mostrarás
aí onde estás
aqui onde estamos
que essa Língua de além
é a Língua Portuguesa




Soares Teixeira – 10-06-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 1 de junho de 2014

"VOAR" - Soares Teixeira







 


Deitado. O tronco da árvore suporta o meu corpo. Noite. Tudo imaginário nesta cadeira - excessivo até ao real. Falo.
Estrelas, oiçam-nos dizer que somos claridade a enfrentar a claridade e as nossas asas, que nunca desistem de ser feitas de grandes espaços libertos de todos os princípios e todos os fins, silenciosas como rosas a respirar palavras ainda por nascer, secretas como perguntas vivas de rios subterrâneos que têm no gesto a inquietação das suas nascentes, primordiais como cálices anteriores às lendas aos mitos e aos presságios; as nossas asas atravessam o horizonte e saem-lhe pelos olhos – os nossos olhos abertos, desde a raiz da sílaba ancestral até ao verde da floresta para lá dos oceanos. O ímpeto das abelhas entende a viagem desta certeza, o êxtase das falésias entende a imensidade desta ânsia em acender o infinito, as veias dos relâmpagos entendem esta consagração aos braços do além. Entendam vocês também, estrelas. Como borboletas de papel no quintal de uma grande casa os dias passam e passam também as noites, as noites… que é quando vocês, estrelas, saem de dentro de frasquinhos, felizes por poderem mostrar as vossas bocas – às vezes uma ou outra chama-nos aos gritos, com toda a sua luz despenteada e nós vamos para o quintal da grande casa e acenamos e dizemos Olá! Estamos aqui! E dizemos que somos claridade a enfrentar a claridade. Vocês sorriem ainda mais e é então que nós abrimos as nossas asas e vamos dizer-vos: liberdade.
De pé. O meu corpo suporta uma árvore. Voar.
Repito: liberdade.



Soares Teixeira – 31-05-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 19 de maio de 2014

"BACH" - Soares Teixeira









Vejo-me sentado numa superfície
sem matéria sem medida sem nome
tenho as pernas cruzadas
e estou entre eles
pequenas crianças descalças
de grandes asas fechadas
que estranhamente não me surpreendem
apesar da agudíssima brancura
das suas longas penas
sonâmbulas serenas secretas
num descanso que oculta infinito e fulgor
o que me surpreende nesses belos seres
são os seus olhos muito abertos
como se neles coubessem todos os astros
que nos rodeiam
uns olhos de princípio enamorado pelo além
uns olhos de lucidez em flor
uns olhos de veemente apoteose
e ao mesmo tempo de puro sossego
a nascer desse mesmo sossego
por vezes mexem lentamente
os dedos dos pés e das mãos
um movimento que me parece inconsciente
mas em que sinto alguma volúpia
sorriem com lábios vagarosos e quase evanescentes
parecem não dar pela minha presença
toda a sua atenção converge para a única certeza
que faz companhia aos deuses
música
junto-me à sua unidade
afasto a sílaba e qualquer vértebra de pergunta
escuto apenas
só o inominável festeja o absoluto
escuto apenas
Bach




Soares Teixeira – 18-04-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 14 de maio de 2014

"A POESIA" - Soares Teixeira









A poesia é para abrir o vento
de par em par
fazendo voar portas e portadas
e libertar o peito
nos pátios de todas as moradas
a poesia são olhos abertos
sobre um silêncio musical
e dedos de sal
estendidos
sobre os lábios de todos os rios
sobre as veias de todos os desejos
sobre o além de todo o aquém
a poesia aparece
na primavera de um astro
no pássaro com respiração de sereia
na flor da palavra nua
a poesia nasce
do instante vivo da viagem
a um espaço encantado
onde vibra
o sopro de um sol sonhado



Soares Teixeira – 14-05-2014
(© todos os direitos reservados)