sábado, 29 de junho de 2024

O PAI - ADÉLIA PRADO - SOARES TEIXEIRA



O PAI

Deus não fala comigo
nem uma palavrinha das que sussurra aos santos.
Sabe que tenho medo e, se o fizesse,
como um aborígine coberto de amuletos
sacrificaria aos estalidos da mata;
não me tirasse a vida um tal terror.
A seus afagos não sei como agradecer,
beija-flor que entra na tenda,
flor que sob meus olhos desabrocha,
três rolinhas imóveis sobre o muro
e uma alegria súbita,
gozo no espírito estremecendo a carne.
Mesmo depois de velha me trata como filhinha.
De tempestades, só mostra o começo e o fim.

Adélia Prado

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Biografia de Adélia Prado:
Adélia Luzia Prado de Freitas (Divinópolis, 13 de dezembro de 1935) é uma poetisa, professora, filósofa, romancista e contista, ligada ao Modernismo. Considerada a maior poetisa viva do Brasil.
Sua obra retrata o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único. Em 1976, enviou o manuscrito de Bagagem para Affonso Romano de Sant'Anna, que assinava uma coluna de crítica literária no Jornal do Brasil. Admirado, acabou por repassar os manuscritos a Carlos Drummond de Andrade, que incentivou a publicação do livro pela Editora Imago em artigo do mesmo periódico.
Professora por formação, ela exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora tornou-se a atividade central. Em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representou a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa.
Em 2024, tornou-se a terceira escritora brasileira (e primeira escritora mineira) a vencer o prêmio Camões em 35 anos.

Fonte dos elementos biográficos de Adélia Prado:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_Prado

 


quarta-feira, 26 de junho de 2024

TERTULIANDO - SOARES TEIXEIRA

 



LIVRARIA SNOB

Foto tirada por mim, hoje, no pátio da Livraria Snob, em Lisboa

TERTULIANDO
 
Palavras a fazer de pássaros
dizem adeus aos lábios dos poetas
e viajam sobre superfícies
que parecem banais
 
Assim, uma parede estende os braços
porque por ela se espalham voos de aves
e uma outra veste-se de sílabas
da cabeça aos pés
- este o mistério das palavras dos poetas;
ângulos diversos, diversas pulsações do sentir,
diversos mundos a aderir ao corpo,
transformam o banal em balcão de bar
onde copos se inclinam para a boca
enquanto paredes descobrem novas posições
para fazerem amor com o que ninguém vê
 
Tertuliando se fazem jangadas
que avançam pelos mares
onde cachos de uvas caem de nuvens
que adivinham desassossegos de instintos,
próprios daqueles que buscam por dentro
novas geografias
e por fora se deixam ser
baía de descobertas alheias
 
Um triângulo de céu pode conversar com plantas
em vasos pendurados numa parede?
Claro que pode – tudo é poesia -,
tudo depende da visão da roda do leme
que preside aos sentidos,
 

Pobre parede com três tristes linhas de grades,
deixa que em ti entrem palavras a fazer de pássaros,
recebe os sons, os sentires, o céu
Às vezes sou como tu, alta parede em solitária solidão,
mas isso é às vezes
hoje não
hoje, em palavras,,
vou,
 marítimo,
pelo oceano de astros onde caio

 
 
Soares Teixeira – 26 de Junho de 2024
(© todos os direitos reservados)




domingo, 16 de junho de 2024

A MARIA QUINTANS - SOARES TEIXEIRA

 

MARIA QUINTANS


A MARIA QUINTANS
 
Lembro-me
daquela altura
em que começámos a falar de coisas
para lá do alumínio das fôrmas
onde íamos ao forno
 
Falávamos de Ilhas de Tesouros
onde se chegava em jangadas
feitas de rosas e desassossegos
e onde praias de palavras nos convidavam
a ser a propagação de um resto
de nós mesmos
Dedicar-nos-íamos à pirataria;
os nossos sonhos adormecidos
seriam saqueados das suas
casas fechadas
e levados para navios voadores
com velas de chuva e relâmpagos.
Beberíamos ventos, riríamos com os golfinhos
e os nossos brincos seriam os assobios
de outros como nós
 
Quando assim, solares, saíamos do peito,
éramos pombas
capazes de cortar o arame farpado
de quaisquer horas aprisionadas
 
Soube que te entrelaçaste
com a hera de uma noite súbita
 
Incrédulo e em cinza
molho os lábios com silêncio
e aceno-te com um ramo de oliveira
 
Adeus, Maria
 
 
Soares Teixeira - 16-06-2024

segunda-feira, 10 de junho de 2024

CAMÕES - 500 ANOS - INAUGURAÇÃO PLACA COMEMORATIVA





 Foto tirada hoje junto da estátua de CAMÕES, em Lisboa, após inauguração da placa comemorativa do V Centenário do seu nascimento. Disse o soneto 'AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER" e agradeci ao Génio.





sábado, 1 de junho de 2024

NO REINO DA ÁGUA O REINO DO VINHO - LUIZA NÓBREGA

 


- Extraído da página de Facebook da Professora Luiza Nóbrega:


Com o consentimento do autor, Soares Teixeira, publico o comentário que ele me enviou, em ressonância à sua leitura do meu livro No Reino da Água o Rei do Vinho. Um texto que me diz mais, e mais me gratifica, do que certos comentários insossos e anêmicos de acadêmicos avaros.
Professora Luiza Nóbrega, já terminei de ler o seu livro ‘NO REINO DA ÁGUA O REINO DO VINHO’ – Submersão Dionisíaca e Transfiguração Trágico-Lírica d’Os Lusíadas. Não terminei de estar com ele porque a enormíssima extensão e qualidade do seu conteúdo tem proporções oceânicas, que obrigam o leitor/viajante a elas regressar – assim o farei; o que ‘ficou’ assim o exige. Estudos desta profundidade e abrangência merecem, e devem, ser alvo de análise por parte de especialistas – o que não é o meu caso. Digo, porém, que em mim o universo de ‘Os Lusíadas’, onde o fascínio da descoberta e o hipnótico encantamento extravasam do sensorial e do temporal, mais se expandiu através da leitura do seu Estudo. A poliédrica transcendência da Obra magna da Língua Portuguesa, tem reflexos sempre insuspeitos, resultado de Camões em ‘Os Lusíadas’ a pretexto de…, ir falar de…, como pretexto para…, e assim nos puxar para uma intensa revolução íntima. Cumpre aos Mestres erguer o facho da luz para mostrar horizontes e propor caminhos; a Professora Luiza Nóbrega em ‘NO REINO DA ÁGUA O REINO DO VINHO’, fê-lo, com brilhante persistência onde proposições e metodologias apelam a competente análise a divulgação visto configurarem-se como prolongamento dos monumentais estudos de Jorge de Sena.
Após viajar pela sua Obra sento-me num penedo junto a um mar revolto. Água. Olho-a. Vejo, revejo. Fundo-me na inquietação do mar e penso. Métrica estrófica em ondulações que se sucede a duas vozes, duas faces, onde o aparente faz apelo ao labiríntico; vários eixos temáticos, que como colunas ligam profundezas de mar e céu, claro e escuro, realidade e ficção; semântica que tem de se beber lentamente depois de colhidas as uvas a descobrir; o Poeta, o homem, as personagens, os mitos, as metamorfoses; as palavras e as suas ressonâncias, o que é convés e o que vai nos porões, o que é quilha e o que é vela, o que é rasto e o que é além; inspiração, desafio, vingança, violência, astúcia, sofrimento; forja de prazeres e contraditórios, interminável rio de águas trágicas e líricas, juntas num só caudal; desejada parte oriental, desejado grito, desejada justiça; veículo de exaltação nacional, de crítica política e social, de relativismo, de sortilégio, veículo de uma voz de aurora e crepúsculo, veículo de tempos; forças a serem medidas com o Outro e a propagar(em)-se pelo(s) grande(s) teatro(s) do(s) mundo(s). E sempre mais…, o além… Leio, navego, ondulo, perco-me, volto atrás, medito, penso, questiono e questiono-me, uma e outra vez, procuro rumos, fecho os olhos, lembro-me de muita coisa que aprendi; da vida, de mim, do Oficial Engenheiro Maquinista da Marinha Mercante que fui - isso recordo até não sei que que mar, que dor azul (minha e de tantos). Queria ser objectivo, Professora Luiza Nóbrega, queria, pelo tanto que me deu através do seu estupendo livro, ser a(s) palavra(s) que o autor espera do leitor. Fico incomodado por este meu aquém, que não é de forjar elegâncias - e tal seria inútil ante a perspicácia de quem voa sobre as mais altas cordilheiras. No saquinho de couro que trago preso à cintura de humilde marinheiro tenho para lhe dar um ‘Parabéns’, um ‘Obrigado’, e uma palavra em branco onde cabe toda a sorte do mundo.
Camões, tu dóis-me por estares tanto aqui, quase quebras os ossos das mãos daqueles que puxas contra o peito das tuas palavras, contra o teu peito. Ainda bem que há gente que te segura no rosto, te observa com amor e te procura entender e dar a entender porque és sangue do nosso sangue e alma da nossa alma. Soares Teixeira.