quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

"CHOCOLATES" - SOARES TEIXEIRA

 

Os chocolates são bons

mas sabem melhor ainda

quando comidos num ócio

a sobrar do tempo

Dentes boémios

mordem a matéria idílica

e a língua, dentro da boca

vai movendo o dorso de nuvem

com lento prazer

Gosto de fazer a vontade aos chocolates

e sorrir para dentro de mim

ainda que um ou outro canto de lábio

denuncie ao mundo o meu deleite

ao comê-los suavemente

como se estivesse a produzir vagar

e essa fosse uma tarefa

a que tivesse de prestar contas

no livro de deve e haver dos meus sentidos

É bom

deixar-me desgovernar por chocolates

e saber disso

e olhar para o outro lado

para o Belo com que o mundo fica vestido

quando estou a comer chocolates

principalmente

se comidos

em longo e manso ócio

Chocolates…

O poder que têm em mandar embora

toda a ciência, toda a filosofia!

Deuses?

Qual quê!… Chocolates! Isso sim!

Heróis?

Que pequenos são, comparados com os chocolates

Poesia?

É boa para embrulhar planetas

Chocolates

Tragam-me chocolates

e com eles viajarei pelo meu reino



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Soares Teixeira-10-02-2021

(© todos os direitos reservados)




terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

LA VOGATA DEL SILENZIO

 

Carnaval de Veneza


É à meia noite da terça feira de Carnaval que em Veneza acontece "La Vogata del Silenzio". De Rialto a São Marcos uma procissão de dezenas de gôndolas desliza em silêncio pelo Grande Canal. Ninguém fala para não perturbar o mistério e o encanto. A iluminação é a das pequenas luzes das embarcações, a que decora as varandas e janelas dos palácios, e o luar. Em São Marcos as gôndolas juntam-se em volta de um animal gigantesco que está sobre uma plataforma flutuante (um touro, no ano em que fui neste desfile mágico). Incendeia-se o Carnaval velho, assim o celebrando, e saúda-se o que há-de vir. Em seguida é o fogo de artifício. E pronto, é o fim. Caímos na realidade. Mas um último olhar de já saudade pergunta: Será mesmo o fim? "La Sereníssima" responde-nos dentro da alma.



CARNAVAL EM VENEZA









 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

"OS CAVALOS" - SOARES TEIXEIRA


Parecem tão definitivos

os cavalos

quando correm em liberdade

pelas planícies

Não receiam nenhum chão

não temem nenhum vento

não se negam a nenhum horizonte

Belos

em cada músculo

em cada movimento

em todas as certezas

As paisagens

vão ficando

debaixo das suas patas

O tempo

cheira-lhes as crinas

e tenta abraçar-lhes o pescoço

mas não consegue

porque eles são mais velozes

que pensamentos

que estes meus pensamentos

vindos não sei de que águas

de que recantos ou de que caminhos

Nesta nudez de alma

partilhada não sei com que astro

preciso destes meus cavalos;

de os ver nascer

de os sentir surgir

alados

de um qualquer lugar no universo

para depois poisarem

nas minhas planícies mentais

belos

preciso de vê-los correr

livres

no meu chão de cicatrizes

que eles não receiam, não temem

e a elas não se negam

Corram, corram meus cavalos

para que eu vos inveje a liberdade

para que eu não desista de vos amar e seguir

para que eu não desista de mim

Venham, cavalos meus

de um qualquer sol

ou de um qualquer verso

venham

erguer-me em mar a ondular e a voar

no céu que eu escolher




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Soares Teixeira-09-02-2021

(© todos os direitos reservados)