Caminho no jardim
todas as árvores são a primeira árvore
todas as flores são a primeira flor
todos os pássaros são o primeiro pássaro
e todos os meus sentidos são a primeira cal
Já aqui estive
tenho a certeza
num tempo em que os dias não eram vulgares
porque estavam carregados de início
e de palavras ainda dentro dos lábios de coisas por
acontecer
e de gestos a acariciar rochas grávidas de água
e de gotas de orvalho que nunca morriam em silêncio
e de libélulas a desenhar círculos perfeitos
Não sei se sou intruso deste instante ou de outro já
passado
não sei se os meus cabelos pertencem a este segredo
ou se pertencem aos segredos de um tempo ido
ou se flutuam – longos, mais longos do que alguma vez
poderia imaginar
à superfície de um tempo sem tempo e de um espaço sem
espaço
Que passos existem nos meus passos?
que navios carregam o meu olhar? De onde vêm? Para
onde vão?
que algibeiras procuram as minhas mãos?
que livros caminham sobre as minhas pálpebras?
que fome anda à roda de tudo o que ressoa?
Não sou um reflexo de luz que se insinua
nem um lírio que quase dança na brisa
nem um céu carregado de música prestes a começar
sou um dia mais no sulco das suas horas
próximo apenas da distância que me separa do sonho
e o sonho vai-me deixando ser o que resta dos meus
passos
o que resta
quase sem aroma, nem peixes no peito
o que é possível restar
isto é o que me diz uma breve nuvem
breve
como eu
Soares
Teixeira – 29-07-2014
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