segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

"ADEUS MINHA AMIGA" - Soares Teixeira


(À memória da Actriz Hermínia Tojal)

Adeus minha amiga
entraste na morte
com uma boneca na mão
deixando para trás
tudo o que no mundo se vai esvaindo
caiu o pano
e tu retirastes-te para o desconhecido
no fim da estrada
um barco
levar-te-á pelas águas do mistério
o teu passado sossega já
num raio de luar
longínqua
uma voz chama por ti
tranquila e plena sorris para a boneca
e com a tua primeira canção de infância
respondes ao chamamento
vais respondendo e cantando
cantando e respondendo
até que a viagem
te transforme
numa boneca
a flutuar
na luz
com que sempre sonhaste


Soares Teixeira


segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

sábado, 12 de novembro de 2011

DE TARDE, CESÁRIO VERDE

                                                           

                                                               CESÁRIO VERDE
                                                                       De Tarde


                             

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"NAVEGAR" - Soares Teixeira


Navegar
ser o único marinheiro do teu corpo
e nessa viagem
ser peixe
a deslizar sobre a pele de outro peixe
ser alga
que se junta a outra alga
ser raio de sol
que se junta a outro raio de sol
à mesma profundidade
entre os mesmos corais
entre os mesmos fantásticos
murmúrios iniciais
entre o mesmo segredo
entre a mesma ondulação
plenos e sem medo


Soares Teixeira

domingo, 6 de novembro de 2011

"NAS RUAS DA NOSSA CIDADE" - Soares Teixeira


Nas ruas da nossa cidade
existem pássaros que nos levam de um para outro sonho
existem flores que sorriem para os nossos sorrisos
existem raios de sol que embalam a nossa leveza
Nas ruas da nossa cidade não existem estradas passeios
semáforos sinais de trânsito ou passadeiras de peões
Nas ruas da nossa cidade não existem prédios nem esquinas
nem vidro nem ferro nem cimento
Nas ruas da nossa cidade as coisas são matéria por acontecer
As ruas da nossa cidade nascem dos nossos beijos
As ruas da nossa cidade são as palavras de onde nos debruçamos
As ruas da nossa cidade são o imenso poder de não termos fim
neste tumulto de seda com que nos abraçamos
As ruas da nossa cidade são o irreprimível horizonte que transborda
da grande maravilha que é sermos um excesso sempre aquém do desejo
As ruas da nossa cidade trazem em si segredos revelados
pelo ritmo de corações quentes a pulsar no nosso olhar
As ruas da nossa cidade são o vento dos nossos membros
As ruas da nossa cidade são a respiração dos nossos gestos
As ruas da nossa cidade são o absoluto dos nossos corpos
As ruas da nossa cidade são de algodão
E as almofadas dormem no chão


Soares Teixeira

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

"VESTI-TE COM UMA GOTA DE ORVALHO" - Soares Teixeira


Vesti-te com uma gota de orvalho
peguei-te na mão
e dançámos descalços
sobre a areia de uma praia
que um beijo fez só nossa
os primeiros olhares da aurora
tocaram-nos
num ângulo cúmplice
lançavas a cabeça para trás
e rias
o mar também
levando com ele
tudo o que não fosse
o luar
de que ainda éramos feitos


Soares Teixeira

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

"À BEIRA MAR" - Soares Teixeira


Aqui
perante este horizonte onde me alongo
dentro desta distância que acontece em mim
sou um crente aos pés do sonho
sou uma pálpebra sem fim
sou o absoluto

no céu o azul recebe o vermelho
nas asas das gaivotas nadam peixes
é de espuma a sabedoria do mar
a praia faz companhia aos barcos
o sol aninha-se nas águas
respiro a anunciação de que é feito o ar
bebo êxtase
não quero outro paraíso

aqui
neste agora tão leve
recebo o primeiro começo de uma divindade
sou um grão de areia com uma alavanca no peito
sou um átomo com o infinito no pensamento

aqui
ao abrigo deste momento
sou uma nuvem onde me deito
começo onde estou e acabo na eternidade
não quero outro paraíso


Soares Teixeira

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

"REGRESSO" - Soares Teixeira


Um violoncelo desliza
pelo vasto corredor de uma casa antiga vazia
à sua passagem as salas suspiram de saudade
e a entranhada mágoa das paredes espreita
por cima das molduras dos retratos
de gente que já foi claridade
Um vento fresco de manhã inaugural
sopra súbito sobre aquele grande livro fechado
e uma janela abre-se
e mil pássaros de luz serpenteiam
pelos corredores pelas escadas e pelas salas
da grande casa tombada no musgo do tempo
uma jovem de tranças louras
solta gargalhadas cristalinas
e uma alegria exilada saúda os retratos
Como um fiel namorado
o violoncelo desliza
para os braços da adolescente
e Bach irrompe como uma primavera
Lá fora o velho carvalho reúne os pássaros
e juntos observam o portão do jardim
que depois de tantos anos fechado
se abre agora
em movimento lento quase ilusório

Ela voltou dizem as aves
Está igual diz a árvore fiel
Tantos anos diz comovida a anciã


Soares Teixeira

terça-feira, 11 de outubro de 2011

"INFÂNCIA" - Soares Teixeira


A folha flutua no lago
um insecto é um marinheiro na folha
um raio de sol traça o rumo
uma criança observa
o seu olhar é tão fugaz
como o de um pássaro
despreocupadamente azul


Soares Teixeira

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

"HÁ ÁRVORES NASCIDAS DO LUAR" - Soares Teixeira


Há árvores nascidas do luar
há regatos em êxtase a cantar
há delírios com cheiro a mar
E existe o teu olhar
por onde se ascende ao infinito
e existe o teu gesto
que se confunde com o ardor do Sol
E existe o teu corpo
que é o eco de um grito
E existem estas veias
contentes, intensas e embaladas
E existe este corpo
rápido como um remo
que encurta as águas do instante
para que haja um só impulso
a florir do prazer
de sermos um só astro



Soares Teixeira

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

"VOANDO SOBRE OS AREAIS DA HISTÓRIA" - Soares Teixeira


Voando sobre os areais da História
um pássaro observa como se repetem
os sorrisos fáceis e as promessas em flor
os mesmos incautos - perdidamente confiantes
os mesmos inocentes, os mesmos chacais
tudo igual, tudo água da mesma fonte
e no seu peito invadido de horizonte
o pássaro já não guarda esperança
sente-se feliz por não ser abutre
e muito menos Homem



Soares Teixeira

terça-feira, 2 de agosto de 2011

"O POETA E OS RATOS" - Soares Teixeira


Três ratos de olhar brilhante
como um estilete de aço
conspiram contra o poeta

Sete lágrimas afiadas
sete mares em cada braço
sete árvores plantadas
em sete palavras de aço
eis o poeta

De horizonte na lapela
com o amanhecer nos passos
com um sorriso a fazer de vela
e um toque de ironia
o poeta caminha
por trilhos de fantasia
espalhando verdades
que só outro poeta adivinha
e assim vai caminhando
por entre laranjais, mistérios
sonhos e adversidades
assim vai
seguido pelos ratos
que em três abraços
celebram a gorda maquinação

Assim é o mundo
assim gira e há-de girar
uma bola suspensa no ar
onde sempre haverá
um poeta a cantar
e três ratos a conspirar



Soares Teixeira

terça-feira, 19 de julho de 2011

"POBRES MULHERES DO MAR" - Soares Teixeira


Dos terraços do olhar
as mulheres do mar
estendem os braços
aos ventos que ondulam
à volta do mundo
entre os seus cabelos
há uma folhagem de solidão
entre os seus lábios
há sussurros pesados
entre os seus dedos
há uma espera sem nome
As mulheres do mar
encostam-se
às colunas de si mesmas
abandonadas a um desejo longo
destroçadas pelas cabeças das ondas
que nunca mostram os seus olhos
para que não seja possível adivinhar
se são vivos ou mortos
os seus homens
os homens das mulheres do mar
que em mapas de inquietação
escavam sonhos no vazio
em busca
do outro lado do luar

Pobres mulheres do mar
a sua saudade é um suor
que lhes escorre do olhar
o seu gesto abre o longe
mas nenhum pássaro revela o navio

Silêncio
apenas silêncio
cortado pelo vento
e pelo som do mar

Pobres mulheres nos terraços do olhar
pobres mulheres do mar



Soares Teixeira

quarta-feira, 15 de junho de 2011

"UM DIA" - Soares Teixeira


Um dia
fomos dois pássaros
poisados na primavera
uma promessa
um princípio
um poema
uma leveza de pluma
uma lentidão de nuvem
um rumor de folhagem
Um dia
estendidos ao sol fomos sol
correndo ao vento fomos vento
abraçando-nos fomos paisagem
amando-nos fomos horizonte
Um dia
fomos dois frutos
da mesma árvore
um cântico
uma festa
um delírio
um repouso
uma eternidade
Um dia
construímos este agora
e agora
enfeitados de futuro
somos todo o azul
que nasce do olhar
agora
sem labirintos
sem penumbras
e sem medos
atravessamos o interior dos instantes
frontais ao respirar do tempo
livres
como dois finos fios de vinho
que se uniram
perante o rosto do destino
para em liberdade celebrar
a construção do amor


Soares Teixeira

terça-feira, 14 de junho de 2011

"POETA" - Soares Teixeira


Poeta
carpinteiro de sonhos
cósmico, iluminado
infeliz, desgraçado
a quem os ratos roem a razão
a quem os vermes vigiam a condição
a quem os abutres vêm como refeição
Poeta
alavanca do pensamento
tear de mantos mágicos
unguento que cicatriza feridas
agulha que cose futuro
Poeta
és um perigo
uma mola quebrada
o inverso de uma roda dentada
uma caixa cheia de nada
Poeta
és um castigo
e terás sempre por inimigo
um insecto servil
pronto a dar-te uma picada
Poeta
recebe o veneno
recebe a mentira
e com a tua lira
e com o teu arco
lança a palavra
porque o teu grito será repetido
e a tua força será maior
que a farsa de bichos
sem coragem
e nenhum valor



Soares Teixeira

domingo, 22 de maio de 2011

"ESTE POEMA QUE SOU" - Soares Teixeira


Este poema que sou
estas palavras por onde vou
são o ponto de partida
de uma viagem
que não sei quando começou
nem quando estará concluída
Este poema em que me tornei
estas palavras em que me transformei
são a cabeça de um tigre
a rugir na distância
são as asas de um pássaro
a reclamar o azul
são os ramos de uma árvore
entregues a uma dança ritual
são as ondas do mar
a florescer na lonjura
são um risco traçado
no chão que me foi destinado
são uma lança primitiva
que leva um grito na ponta
são uma semente, um animal
uma safira, uma manhã inaugural
são um arado
são uma harpa numa ilha
são um estandarte num promontório
são um chicote de vento
sou eu a renascer
são a minha carne de sangue e lágrimas
são os meus ossos de aurora e sonho
são os rios e as pétalas dos meus gestos
atirados ao peito de um chão novo
um chão de mim mesmo
feliz ao dizer
que as palavras são paisagens
sob um céu por acontecer


Soares Teixeira

sábado, 16 de abril de 2011

"ÉRAMOS A MAIS IMPROVÁVEL MANHÃ" - Soares Teixeira


Éramos a mais improvável manhã
e fomos tudo o que não podia ser
pegada do impossível
centro do vazio
túlipa do tempo
harpa de lava vulcânica
Éramos a mais improvável manhã
e fomos tudo o que teve de ser
olhar que remove montanha
abraço que alcança cometa
beijo que sobe cascata
união que canta floresta
Porque éramos
a mais improvável de todas as manhãs
fomos o mais frontal início
a mais pura aurora
o mais eterno alvoroço
o mais consumado desejo
Porque éramos
a mais esperada de todas as manhãs
ficámos entrançados com o luar
ficámos a baloiçar num fio de sonho
ficámos riso atirado ao vento
ficámos um só gesto um só pensamento



Soares Teixeira

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"NO GRANDE TEMPLO" - Soares Teixeira


No grande templo
mais altas que as imensas colunas
erguem-se em cânticos
vozes antigas enviadas pelo tempo

poisados na orla da eternidade
somos pequenos intrusos
oscilando como frágeis folhas
de uma árvore
no extremo de um promontório
metade de nós é olhar
outra metade sentimento
o corpo é uma página transparente
pronta a receber a escrita do mistério
estendemos os braços
prontos para decifrar e compreender
em vão
tudo é demasiado grande
tudo está fora dos mapas do possível
tudo é incrível

depois lentamente
as vozes vão
não desaparecem
apenas vão
para o interior
da hora eterna em que habitam
e nós ali
tão perto e tão longe
de um extremo que brilha
no peito de cada pedra



Soares Teixeira

domingo, 16 de janeiro de 2011

Noite Gardiana




Mais uma noite de Garda. Mais uma noite Gardiana. Ela cantou, ela tocou, ela dançou, ela encantou, ela brilhou, ela deslumbrou, ela voou. Ela foi simples, ela foi excessiva, ela foi terna, ela foi suave, ela foi arrebatadora. Ela foi ela mesma, e como ela é um Sol nós fomos iluminados. Ela foi Garda e nós fomos pequenos pássaros num ninho Gardiano, deslumbrados com aquela ave imensa e única que se nos entrega completamente e faz com que fiquemos felizes por descobrir que dentro de nós também há muito azul e muitas asas.
A foto acima, tirada ontem, é de minha autoria.



Soares Teixeira

sábado, 15 de janeiro de 2011

"REGRESSASTE" - Soares Teixeira



Regressaste
e na pele tinhas a voz da primavera
regressaste
e em cada gesto acendias os momentos
regressaste
para me levares para o centro da claridade
onde nada podia perturbar o nosso reencontro
regressaste
e fomos
salas silêncios e minúcias
labirintos astros e encruzilhadas
e fomos
duas gotas de orvalho que se juntaram
dois reflexos do mesmo espelho
regressaste
e dançámos
longe do sussurro dos dias
num tempo só nosso
intactos
no interior de um vazio
só nosso
regressaste
e derramámos os nossos sentidos
num beijo
longo
como o horizonte de um poema




Soares Teixeira