domingo, 26 de fevereiro de 2023

CLEONICE BERARDINELLI

 

Soares Teixeira e Cleonice Berardinelli

A 31 de Janeiro de 2023, com 106 anos, deixou-nos a Grande Professora Cleonice Berardinelli, Imortal da Academia Brasileira de Letras. Tive oportunidade de escutar algumas das suas brilhantíssimas palestras e também de algum convívio (Portugal/Espanha/Brasil), com esta ilustríssima - e amabilíssima - especialista da Literatura Portuguesa.

A foto acima, onde estou com a insigne Professora, é de 2010 e foi tirada em Santiago de Compostela, por ocasião de um Congresso.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

"OS LUSÍADAS", CANTO I - LUÍS DE CAMÕES

 

"OS LUSÍADAS", CANTO I




Canto I

 

A Obra começa com a Proposição, (elemento introdutório, com apresentação do tema e dos heróis), segue-se a Invocação (Camões invoca as Tágides – ninfas do Tejo – pedindo-lhes inspiração para a sua escrita), e em seguida a Dedicatória (Camões dedica “Os Lusíadas” ao Rei Dom Sebastião). Tem então início o começo da Narração, a meio da história (a Armada de Vasco da Gama já se encontra no Oceano Índico, mas ainda não alcançou a Índia) - técnica literária denominada In medias res (latim para "no meio das coisas").   

A acção vai para o plano dos deuses. É convocado o Consílio dos Deuses do Olimpo para que se decida se a Frota Lusa poderá ou não atingir seu destino. Júpiter mostra-se favorável. Baco opõe-se, porque isso significaria que as suas próprias façanhas no Oriente seriam esquecidas. Vénus, porém, sente que será celebrada pelos portugueses uma vez que vê neles os herdeiros dos seus amados romanos, por isso apoia firmemente o propósito da Armada Lusa. Depois de uma discussão entre os deuses em que Marte, vigoroso, toma partido de Vénus, Júpiter mantém o seu parecer e dá o Consílio por terminado.

A acção volta à Armada de Vasco da Gama, que aporta à ilha de Moçambique. Aí são recebidos por muçulmanos, que, tementes do poder das naus, prometem fornecer mantimentos e um piloto que leve a Frota à Índia. Contudo as intenções dessas gentes são bem diferentes. O Rei muçulmano, inspirado por Baco, que encarnara num dos seus conselheiros, quer a destruição da Frota. Segue-se uma luta, no decurso da qual a cidade é bombardeada pelos portugueses. Rendição do regedor que então oferece um piloto aos lusos – segundo estratagema de Baco – com a intenção oculta de os levar para terras hostis.

Vénus, zelando constantemente pelos portugueses, apercebe-se das artimanhas de Baco, e mantém a Frota segura ultrapassando-se assim os perigos do primeiro porto. O segundo será Mombaça em cujas águas a frota lança âncora. O canto termina com uma meditação moral, antecedida por duas estrofes de suspense.



 



quarta-feira, 16 de novembro de 2022

"NA ILHA POR VEZES HABITADA", JOSÉ SARAMAGO

 



NA ILHA POR VEZES HABITADA

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.



       José Saramago




domingo, 6 de novembro de 2022

"OS LUSÍADAS" - CANTO V - LUÍS DE CAMÕES



"OS LUSÍADAS" - CANTO V






Canto V

Continua a narração de Vasco da Gama. Conta agora como foi a viagem da Frota Lusa desde Lisboa até Melinde referindo-se aos fenómenos da natureza que naqueles desconhecidos mares e céus os nautas portugueses observaram: O Cruzeiro do Sul, O Fogo de Santelmo, A Tromba Marítima. Peripécia de Fernando Veloso entre os nativos africanos. Episódio do Gigante Adamastor, que pode ser dividido em três elementos: 1 – Teofania (encontro com uma divindade): surge uma grande tempestade, os nautas, temem pela sua sorte, avistamento do Gigante Adamastor; 2 – Prolepse: o poeta, em meados do séc. XVI, fala de acontecimentos passados, porém futuros para o Gama, no início desse mesmo século.; 3 – Écloga marinha: a paixão não correspondida de Adamastor por Tétis. Vasco da Gama refere-se ainda ao terrível e mortal escorbuto. Alegria pela chegada a Melinde e demonstração de admiração por parte dos melindanos pela tremenda aventura dos portugueses. O canto V termina com Camões a criticar a iliteracia dos seus conterrâneos. 





 

sábado, 15 de outubro de 2022

"DESPIU-SE DEFRONTE DO ESPELHO", JOAQUIM MURALE




POEMA DCCCL

DESPIU-SE DEFRONTE DO ESPELHO FRIO


despiu-se defronte do espelho frio

olhou-se demoradamente

analisou ruga a ruga a ruína a que chegara

o corpo descarnado

os seios pendentes e mirrados

os olhos mortiços

a cerviz vergada

o que por ela poderia alguém sentir?

náusea?

dó?

quem por ela poderia sentir algo?

doentes?

os rejeitados do mundo?

os velhos da sua idade?

e esses para que os quereria ela?

para chorarem a par?

finalmente o espelho deixara de lhe mentir

deixava de lhe servir

cuspiu asco

guardou as memórias numa caixa dourada

apagou o candeeiro

entregou-se às trevas

fechou-se na solidão e saiu na última paragem

 

 

Joaquim Murale, in “o ÀSPERO TEMPO DAS MARIONETAS”, pág 204

Seda Publicações - 2022 


 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

DIA ESPECIAL

 

  Hoje, num dia especial em que afectuosamente me despedi de algo em que muito trabalhei coloco aqui esta foto, em que tenho na mão O MEU VW-PORCHE (o mítico e belíssimo Porche 914). Achei-o recentemente numa daquelas arrumações em que se descobre o que não se espera. Este Kit foi-me oferecido em miúdo e construi-o sózinho (e tem comando). Olho-o com saudade e uma longa ponta de ironia. A sua história dava um pequeno romance


 

e porque hoje fui surpreendido com uma honrosa manifestação de apreço a um poema meu, de 'Alguém' que admiro, aqui o deixo porque não está muito longe do acima dito.

AVENTURA PORTUGUESA
 
Entrou-nos na alma o som do mar
E fomos porque era forte o chamamento
Tinha a força de um encantamento
O azul que nos fazia sonhar
 
Na praia a espuma vinha-nos contar
Que lá longe, também nesse momento,
Alguém estava a perguntar ao vento
O que haveria para lá de tanto mar
 
Levados pela vontade de ir mais além
Fomos juntar as mãos da Humanidade
Abrindo os caminhos da Descoberta
 
Contámos ao mundo o que o mundo tem
Sempre longe, ao portado da saudade,
Mas ao lado das aves, de alma liberta
 
Soares Teixeira
 
 

domingo, 9 de outubro de 2022

"PARA ENFEITAR OS TEUS CABELOS," AGOSTINHO NETO

 

 

PARA ENFEITAR OS TEUS CABELOS
(À Maria Eugénia)

No nosso sangue crescem rosas
e no amor
e na saudade;
as rosas que murcham sobre o gelo
da nossa distância

E neste dia
crescerão sempre rosas

Se os nossos corações se estrangulam
nas grades
onde morre a liberdade
e se fatigam

Neste dia
crescerão sempre rosas

E se o inverno é longo,
é dentro de nós
que mergulham as raízes
pelas quais os homens
se alimentam.

Se o inverno é longo
e as vozes se cansam
é porque
o nosso caminho é único
– o amor.

Neste dia
crescerão sempre rosas

Irei buscá-las
às planícies mais longínquas
às montanhas menos acessíveis
aos abismos
à amizade
e à distância que nos une.

Neste dia crescerão
sempre rosas, rosas
muitas rosas sobre o nosso amor

Para enfeitar os teus cabelos.

8 de Março de 1956
in “Sagrada Esperança”, Agostinho Neto, Obra Poética Completa, página 97

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 Fonte do poema: https://agostinhoneto.org/poesias/para-enfeitar-os-teus-cabelos/