quarta-feira, 27 de março de 2024

HARPA - SOARES TEIXEIRA

 

HARPA - SOARES TEIXEIRA

 

HARPA
 
Teatro…,
laranja em  chamas que atirei para longe,
outros que quis fora de mim
antes que em mim fossem arestas cortantes,
taça cheia de um espaço
onde vi a capital do meu imaginário
desfazer-se num exílio de brumas,
pantera e planície
que o relâmpago separou.
Não lamento…,
ignoro quem seria aquele que não fui
e nem sequer o quero ver no avesso
da minha imagem reflectida num espelho,
o que foi, foi,
e o que sou é este e não outro.
Num verso…,
aí consinto que vinho e sangue
venham de um lugar longínquo e se entranhem
na harpa com que respiro as palavras,
aí, e só aí,
me permito asas para ser alcoólico
de azuis desassossegados
 
 
Soares Teixeira – 27 de Março de 2024
- Dia Mundial do Teatro -
(© todos os direitos reservados)


quinta-feira, 21 de março de 2024

DIA DA POESIA - POETRY DAY - SOARES TEIXEIRA

 

DIA DA POESIA

DIA DA POESIA
 
 
“Hoje é o dia da Poesia”,
disse uma árvore, logo pela manhã,
estendendo demoradamente todos os ramos
que assim abraçaram
os ramos de outras árvores,
que por sua vez foram repetindo
os mesmos gestos e as mesmas palavras
 
Foi uma onda de saudações e abraços que partiu
de uma árvore, no centro da floresta,
e se propagou para lá do verde;
até aos rios, e para lá dos rios,
até às montanhas, e para lá das montanhas,
até aos campos, e para lá dos campos,
até às pessoas, e para lá das pessoas
 
Poesia…, Poesia…, Poesia…,
foi a palavra com maior eco,
a que ficou a soar por todas as lonjuras,
e por isso a mais ouvida
Poesia…, Poesia…, Poesia…,
foi o véu que voou pelos espaços,
e se tornou o cântico da diversidade
 
Os astros observaram
a nova luz que envolveu a Terra,
e chegou-lhes esse eco longínquo, mas claro:
Poesia…, Poesia…, Poesia…,
e deram abraços secretos, repetindo:
Poesia…, Poesia…, Poesia…,
até ao infinito
 
 
 
Soares Teixeira – 21 de Março de 2024
(© todos os direitos reservados)


POETRY DAY


"Today is Poetry Day",
said a tree early in the morning,
lengthily extending all the branches
which then embraced
the branches of other trees,
which in turn repeated
the same gestures and words
 
It was a wave of greetings and hugs that began
from a tree in the centre of the forest,
and spread beyond the green;
to the rivers, and beyond the rivers,
to the mountains, and beyond the mountains,
to the fields, and beyond the fields,
to the people, and beyond the people
 
Poetry..., Poetry..., Poetry...,
was the word with the greatest echo,
the one that rang out far and wide,
and therefore the most heard
Poetry..., Poetry..., Poetry...,
was the veil that flew through space,
and became the song of diversity
 
The stars observed
the new light that enveloped the Earth,
and this distant but clear echo reached them:
Poetry..., Poetry..., Poetry...,
and they gave each other secret hugs, repeating:
Poetry..., Poetry..., Poetry...,
to infinity

© Soares Teixeira 


terça-feira, 19 de março de 2024

A NUNO JÚDICE - SOARES TEIXEIRA

 

NUNO JÚDICE







A NUNO JÚDICE
 
 
O poema vai-se entranhando debaixo das unhas
quando, sem idade, enterramos as mãos
na areia quente das palavras
 
sentimo-nos acontecer, mais do que nunca,
naquela praia, onde o sol e o mar nos saúdam
e um pequeno caranguejo nos observa em silêncio
 
dentro de cada página, mundos parecem acontecer
pela primeira vez, a cada instante,
como explosões de libélulas de todas as cores
 
o rio surge de dentro do poema e traz-nos o espelho
onde nos vemos reflectidos nas constelações
do cérebro, e para lá ainda; até ao beijo inicial da luz
 
página a página, sentimos urgências, a voar, livres,
e abraços que se requebram em danças antiquíssimas,
e tudo isso em nós, entregue pelo poeta
 
 
 
Soares Teixeira – 19 de Março de 2024
(© todos os direitos reservados)


 

TO NUNO JÚDICE


The poem gets under the fingernails
when, ageless, we bury our hands
in the hot sand of words

we feel like we're happening, more than ever,
on that beach, where the sun and the sea greet us
and a small crab watches us in silence

inside each page, worlds seem to happen
for the first time, every moment, 
like explosions of dragonflies of all colors

the river emerges from within the poem and brings us the mirror
where we see ourselves reflected in the constellations 
of the brain, and beyond; until the initial kiss of light

page by page, we feel urgencies, flying, free,
and embraces that sway in ancient dances,
and all this in us, delivered by the poet



Soares Teixeira






domingo, 10 de março de 2024

LIVRE - SOARES TEIXEIRA

 



LIVRE
 
O tempo passa
e tudo se resume ao som de um sino
que se afasta
deixando para trás
relâmpagos de folhas amarelas,
violinos em fim de tarde
e praias com cada vez menos
conchas de sonhos
 
No entanto,
de uma fogueira marítima,
acesa no íntimo das horas,
chamam-me aves incandescentes
para que a elas me junte
à conquista de nuvens que são ilhas
onde promontórios aguardam
pássaros com nascentes no olhar
 
E eu visto-me de azul
e vou, naturalmente,
sem relógios dentro crânio
ou sombras no peito
vou, apenas,
livre
 
 
Soares Teixeira 



domingo, 25 de fevereiro de 2024

CONGRESSO DO MEIO MILÉNIO DE CAMÕES EM MACAU

 



Dias 24 e 25 de Fevereiro de 2024 teve lugar o "Congresso Internacional do Meio Milénio de Camões"- Rede Camões Ásia e África. Este foi um evento da Fundação Rui Cunha, sediada em Macau. Os organizadores e participantes estão de parabéns. Prometia-se uma reunião científica com um núcleo de grandes especialistas e assim aconteceu. Participei como assistente, por zoom. O convite foi-me gentilmente endereçado por Filipe Saavedra, da Comissão Coordenadora do Congresso. 


 


domingo, 18 de fevereiro de 2024

CREPÚSCULO - CREPUSCLE - SOARES TEIXEIRA

 

CREPÚSCULO - CREPUSCLE


CREPÚSCULO
 
Despeço-me do sol,
silenciado pelo seu adeus
e na minha testa
há uma abelha quieta
 
Algumas arestas
vêm beber do meu pensamento;
olho-as
através de uma porta que se abre
 
A noite será bosque
e eu, ignorante dos caminhos,
procurarei refúgio
numa choupana de astros
 
 
Soares Teixeira 

 -------------------


CREPUSCLE
 
I say goodbye to the sun,
silenced by its farewell
and on my forehead
there's a quiet bee
 
Some edges
come to drink from my thoughts;
I look at them
through a door that opens
 
The night will be forest
and I, ignorant of the ways,
will seek refuge
in a hut of stars


Soares Teixeira 







terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

'MOTIVO' - CECÍLIA MEIRELES

 



“Motivo”

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Cecília Meireles