segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

"SOBRE A RELVA" - Soares Teixeira





Um aroma a casca de laranja
foi tudo o que sobrou
dos frutos que fomos
Respirávamo-nos
em planície de princípio
deitados no chão
sobre a relva
de peito deslumbrado
com o vértice que havíamos sido
E porque éramos imensos
a terra renascia
da nossa nudez em expansão
e os céus tornavam-se residência
de deuses assombrados
com o infinito que voava
da nossa solar satisfação


Soares Teixeira – 23-02-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 22 de fevereiro de 2015

"O TAMBOR DO SEXO" - Soares Teixeira





A lâmpada e a rosa
acesas as duas
na palavra que voa
entre a folhagem dos lábios

Depois a dança dos ventres
florescentes
incandescentes
num estremecer de matéria
e caules de delírio

Pássaros no sangue
mantêm a vertigem
e ao som
do carnal instrumento
gemem-se hinos de louvor
ao puro prazer
de abrir horizontes
em crescente
amplitude de volúpia
e veemência de falésia
erguida em fantástico êxtase

tudo à volta são sílabas suspensas
aos amantes
importa apenas
o tambor do sexo



Soares Teixeira – 22-02-2015
(© todos os direitos reservados)

sábado, 21 de fevereiro de 2015

"O LIVRO" - Soares Teixeira




Guardo um livro no bolso do olhar. Às vezes, quando deixo que em mim habite a ausência dos nomes ou quero ser um destino longe da assinatura de todas as coisas, abro-o. Pode acontecer que na cauda de um grito de gaivota venham sussurradas as palavras “és meu irmão”, pode acontecer que uma nuvem me segrede “sou a tua canoa”, pode acontecer que um rio se erga sobre a minha cabeça para me observar e me diga “segue-me até aos astros”. Praias, montanhas e desertos; lanço-os dentro do peito como búzios sobre a areia de uma praia e tudo o que não sei são amuletos que coloco ao pescoço do meu silêncio. Nessas alturas começo-me numa ardósia de espaço e se me tornar árvore e dos meus ramos nascerem frutos isso não me surpreende – entrego-os aos pássaros do inominável. Sei que as galáxias não têm todo o tempo da eternidade mas às vezes deixo-me ser eterno num segundo de paz.



Soares Teixeira – 21-02-2015
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

"ASSIM ÉRAMOS" - Soares Teixeira





Era manhã em nós

E o mar    
macio
ondulante ebriedade
a cobrir desassossegos e segredos

E os barcos    
a sulcarem as águas
em sôfrega ânsia
de se fundirem com o horizonte

E o outro mar ali ao pé
de olhos postos em nós
com os outros barcos ancorados
a descansar de si mesmos

E assim éramos
corpos líquidos
braços em viagem
riso de distâncias penetradas

pássaros de quimera



Soares Teixeira – 20-02-2015
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

"COMO ASTROLÁBIOS" - Soares Teixeira





Olhámo-nos como astrolábios
e fomos em beijo o mel da chama
e hoje, ainda claridade sem fronteiras
continuamos um no outro vento vivo

a tua sede de abelhas em fogo
puxa pelas mãos com que atravesso
a distância que não nos separa
a minha garganta a ondular na luz inaugural
habita o grito de em ti ser galope
de cavalo vermelho sobre o mar

como astrolábios olhamo-nos
ainda tão na proa de nós mesmos
e recordar aqueles que um dia fomos
é beber do vinho da nudez onde nos baptizámos



Soares Teixeira – 19-02-2015
(© todos os direitos reservados)