Vou-te dizer
algo
que ouvi um rio
dizer a uma
árvore
Dizia o rio:
“É urgente
sentir
nas veias, nos
dentes, na dor
é urgente
sentir!
que há um sol
suspenso
nas manhãs não
ditas
e que é por ele
que temos
de lutar
e que é por ele
que temos
de atravessar
as nuvens negras
Para lá
do lagar de sombras
onde é
preparado o vinho do medo
estão palavras
vivas
como crianças
a correr de
braços abertos
Não há que
temer a infância
mesmo vendo-nos
sentados numa
rocha à beira do nada
e com
sentimento de fim
Podemos chegar
junto das palavras
e
apresentarmo-nos assim:
‘Olá
sou armazém de
noite
mar de chamas
flor sem chegar
à praia da raíz
argila de
intimidade última
boca dentro da
sede
de outra coisa
que haja em mim’
Talvez então aconteça
que uma dessas palavras
crianças
liberdade
venha ter
connosco
e nos puxe pela
mão
para uma dança
de roda
com muitas das
suas irmãs
Talvez então
já de poema
vestido
frontais à luz
belos
como um pássaro
rubro e
destemido
possamos
afastar as nuvens negras
Talvez então
sejam ditas
todas as manhãs”
O rio era um
velho
ainda de luta
acesa no olhar
a árvore era eu
sem saber como continuar
Soares Teixeira – 25-11-2014
(© todos os direitos reservados)