terça-feira, 4 de novembro de 2014

"LUTA" - Soares Teixeira




Ludwig van Beethoven



É sempre dia
de vestirmos o amanhã
com o desassombrado gesto
da liberdade

as aves gostam de sentir
que as igualamos
no êxtase de além
e elas não estão apenas
no coração do azul
existem também
dentro dos sonhos por nascer

a luz manda
a vontade quer
o punho voa
sempre



Soares Teixeira – 04-11-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

"OBSERVAÇÃO" - Soares Teixeira







Observo-te
a viver um lírio
Gosto de habitar
na flor que tentas decifrar
e nela ser
de braços abertos
o dia mais completo
o ponto de exclamação
de um olhar de rio sem horas
a saliência de uma rocha de vento
uma proa de estrela cadente
a respiração de um salto equestre
tu vens
olha     como caminhas
volátil
inicial
névoa que nasce
consciente inconsciência
crescente procura de uma chave
para o mundo
e para o teu mundo
olha     como te alongas
em tentativa de compreender
o mistério do lírio
aproximas-te
e eu
a sentir o sangue urgente
rapto-te
da ilha do teu instante
para o meu sonho
de ser
o teu navio vegetal




Soares Teixeira – 03-11-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 26 de outubro de 2014

"A MAIS PERFEITA MANHÃ" - Soares Teixeira







Na companhia do ar
aquelas duas penínsulas
que de mãos dadas
com o olhar entravam mar adentro
rumo ao sol
eram uma grande história de amor
pouco mais se sabia deles

a espuma do mar
que lhes abraçava os pés
enquanto caminhavam na praia
essa sim
porque era confidente do horizonte
e dos íntimos espaços humanos
sabia
que aquela era a manhã mais perfeita
de um homem e de uma mulher
a que muitos chamavam velhos

eles sabiam-se
sede com muitos anos
chama de muitas décadas
linguagem de muito tempo
mas juntos continuavam a ser
a fácil respiração dos instantes
idade?
a mesma das harpas lunares

por isso
todos os dias
o seu olhar unido
ia livre e leve
mar adentro
cumprir o ritual da eterna juventude
tinham jurado que assim seria
até que os dois fossem carne solar
depois
novamente penínsulas
caminhariam de mãos dadas
pelo universo
isso segredavam-lhes as estrelas
desde aquela primeira noite de astros em flor

e assim
as manhãs
cada uma de todas as manhãs
eram neles
a mais perfeita manhã



Soares Teixeira – 26-10-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

"DESEJO" - Soares Teixeira






Uma cúpula
sem tempo de construção
um horizonte
na manhã dum lírio
um braço estendido
na folhagem dum grito
chamo-te
os meus lábios são
ânforas em fundos marinhos
asas possuídas pelos espaços
e a minha voz é
o que resta do corpo
o que sobra da luz
rosa aberta no labirinto
água a respirar caminhos
o que fica depois do sangue
o que permanece para lá do ar

purifico-me nesta praia
que é querer-te
dispo-te de movimento
e em mim somos
a nova ondulação
dos nossos nomes



Soares Teixeira – 22-10-2014
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

"AMO-TE" - Soares Teixeira







Quando a realidade é ter o corpo dentro de uma árvore transparente e ir num azul em tons de desejo ao encontro da taça de sol que seguras com o olhar então mãos e pássaros no centro do peito agitam-se como rosas vermelhas de um vermelho que fugiu da origem das cores para ser a pulsação com que respiro a palavra sempre escrita em maiúsculas     AMO-TE. Ouviste os meus ramos abrirem a porta e pronunciarem o caminho? Cada letra um firmamento um filme uma argila fácil de moldar aos lábios. A que se prolonga na surdina de um caule místico M breve e leve como um salto de pardal O de oráculo de oração de ovo depois o T com que se iniciam as palavras tudo total tremendo finalmente E que duas vezes habita no desejo de estarmos os dois sentados naquele tracinho entre verbo e pronome a andar de baloiço como vinho enamorado pelo horizonte. AMO-TE     bonito belo bom boca beijo de mãos dadas a baloiçar no tal tracinho. AMO-TE      trapezista estrela de cinco pontas que nos estende a luz de sermos arte de não ter fim.



Soares Teixeira – 15-10-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

"APETECE-ME" - Soares Teixeira







Apetece-me ser o desenho de um navio
numa canção a subir colinas
apetece-me ser a maresia
no respirar de uma constelação
     e porquê?
este inventar sem margens
com mãos de vogais emplumadas
este querer outras areias
para caminhar entre conchas de consoantes
se tudo fosse um
aaaaaaaaaa
ou um
rrrrrrrrrr
mas não é
tudo
ééééééééééé
como aquela maçã cheia de memórias
minuciosas memórias
das coisas que o vento lhe segredou
e dos poemas
com que o luar a adormecia
como aquela mão cheia de amanhã
aquela mão antiga que acariciou o sol
num gesto que ainda há-de durar mais mil anos
como aquela dor de ser oásis sem palmeira
     não importa o porquê
há orvalho na música
e pardais entre os dedos
isso sim é importante
é ar
ar que me respira
sorrio como chão que assobia
e apetece-me
não sei que evasão
não sei que salvação
pouco importa
adeus navio adeus maresia adeus
agora sou peixe
vou para onde me chamam os corais

olá estrela
dá-me um beijo



Soares Teixeira – 14-10-2014
(© todos os direitos reservados)