terça-feira, 21 de outubro de 2014
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
"AMO-TE" - Soares Teixeira
Quando a realidade é ter o corpo dentro de uma árvore transparente e
ir num azul em tons de desejo ao encontro da taça de sol que seguras com
o olhar então mãos e pássaros no centro do peito agitam-se como rosas
vermelhas de um vermelho que fugiu da origem das cores para ser a
pulsação com que respiro a palavra sempre escrita em maiúsculas
AMO-TE. Ouviste os meus ramos abrirem a porta e pronunciarem o caminho?
Cada letra um firmamento um filme uma argila fácil de moldar aos lábios.
A que se prolonga na surdina de um caule místico M breve e leve como um
salto de pardal O de oráculo de oração de ovo depois o T com que se
iniciam as palavras tudo total tremendo finalmente E que duas vezes
habita no desejo de estarmos os dois sentados naquele tracinho entre
verbo e pronome a andar de baloiço como vinho enamorado pelo horizonte.
AMO-TE bonito belo bom boca beijo de mãos dadas a baloiçar no tal
tracinho. AMO-TE trapezista estrela de cinco pontas que nos estende
a luz de sermos arte de não ter fim.
Soares Teixeira – 15-10-2014
(© todos os direitos reservados)
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
"APETECE-ME" - Soares Teixeira
Apetece-me ser o desenho de um navio
numa canção a
subir colinas
apetece-me ser
a maresia
no respirar de
uma constelação
e porquê?
este inventar sem
margens
com mãos de
vogais emplumadas
este querer
outras areias
para caminhar entre
conchas de consoantes
se tudo fosse
um
aaaaaaaaaa
ou um
rrrrrrrrrr
mas não é
tudo
ééééééééééé
como aquela
maçã cheia de memórias
minuciosas
memórias
das coisas que
o vento lhe segredou
e dos poemas
com que o luar
a adormecia
como aquela mão
cheia de amanhã
aquela mão
antiga que acariciou o sol
num gesto que
ainda há-de durar mais mil anos
como aquela dor
de ser oásis sem palmeira
não importa o porquê
há orvalho na
música
e pardais entre
os dedos
isso sim é
importante
é ar
ar que me
respira
sorrio como
chão que assobia
e apetece-me
não sei que
evasão
não sei que
salvação
pouco importa
adeus navio
adeus maresia adeus
agora sou peixe
vou para onde
me chamam os corais
olá estrela
dá-me um beijo
Soares Teixeira – 14-10-2014
(© todos os direitos reservados)
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
"OLHA BEM PARA MIM" - Soares Teixeira
© image : leschroniquesderorschach.blogspot.fr/
Acredito que a
tua boca
não esteja
apenas dentro da máscara
que só diz
o que a máquina
lhe permite que diga
essa máquina
terrível
esta máquina
terrível
que cresce
e que rasga e esmaga
e esconde e mente
acredito que a
tua boca
ainda está nos
pássaros e nas ondas abertas aos espaços
no sopro da
música e na sublevação da palavra
ainda acredito
Olha bem para
mim
tu dantes não
eras assim
Leio-te nos
olhos a palavra sobreviver
as tuas pupilas
soletram
incansavelmente,
maquinalmente, invariavelmente
so bre vi ver
so bre vi ver
so bre vi ver
e tu cumpres a
voz da máquina que esmaga
e com que
esmagas
para não seres
esmagado
so bre vi
ver baba a escorrer dos cantos dos
lábios
so bre vi
ver uivo esverdeado a quebrar
vitrais
so bre vi
ver esgar de lama de cemitério
aprendeste a
mentir como se falasses verdade
aprendeste o gesto
certeiro do cinismo
aprendeste a
não ter remorso
ah o que te
ensinaram
e o que tiveste
de aprender
e o que mostras
que tens de ser
Acredito que a
tua boca
ainda esteja
nos ventos que fomos
quero acreditar
mas se eu
estiver tão profundamente enganado
então
em nome das
palavras
um dia entre
nós ditas com solar sinceridade
quando
conversares comigo
se vires que
não consegues libertar-te dessa droga
autorizo-te que
mintas
mas, por favor
em silêncio
Soares Teixeira – 12-10-2014
(© todos os direitos reservados)
domingo, 12 de outubro de 2014
quinta-feira, 9 de outubro de 2014
"OS GATOS" - Soares Teixeira
Daisy
Os gatos
acreditam no sexto sentido das estrelas, por isso a sua a respiração é a
procura do peito da noite e nas suas caudas há rios onde se refletem relâmpagos
e nas suas patas há abóbadas por decifrar e nos seus olhos há sempre luas
cheias. Os gatos sabem onde encontrar grilos vestidos de cometa e anjos
acocorados sobre colunas de topázio e barcos fenícios carregados de lendas e
peixes de vento em praias a sonhar amantes. Gato que se preze tem o seu
pé-de-meia: pelo menos sete saltos impossíveis em sete vidas para acontecer,
sete histórias de piratas escritas no dorso – para quem as souber ler -, sete reinos
transparentes com sete tronos à sua espera e ainda sete princesas nuas a dançar
a dança das sete quimeras. Os gatos fazem perguntas às perguntas e respondem às
respostas e bebem sede de silêncio e são silêncio de sede bebida e miam como se
abrissem portas em sono côncavo. Os gatos, porque são gatos, entrelaçam os seus
passos com dias a ser memória das esquinas e bocejam em geografias de outras
existências e quando se sentam sobre as patas de trás são ausências expostas na
sua ostensiva presença. Completos, incompletos; partida, chegada; segredo,
revelação, concretos, abstratos; calma, alvoroço – gatos. Os gatos são inexplicáveis
explicações da cor que vibra, da flor que canta, da mesa que flutua, da ave
transformada em harpa, dos lábios feitos de uvas. Sei tudo isto porque um gato
mo contou. Esse que tens no olhar.
Soares Teixeira – 09-10-2014
(© todos os direitos reservados)
terça-feira, 7 de outubro de 2014
"INICIAL" - Soares Teixeira
Inicial
o pássaro voa
a legenda é de
silêncio
o resto
é tempo que se
escoa
dentro do sonho
de uma rosa
eu
sempre horas da
cabeça aos pés
abro as mãos
e deixo cair o
tempo
com o
sentimento e o sentir
de que às vezes
é bom
recordar o
futuro
à proa do
passado
sem contraluz
sem praia
adiada
de lágrima
intacta
no baú da
emoção
leve
com aquela
leveza que consente
no peito uma
gare de comboio
no olhar uma
curva de adeus
na boca um
sabor a viver
livre
sem estar
legendado
sem estar
rotulado
sem ser inverno
da minha ilusão
inicial
Soares Teixeira – 07-10-2014
(© todos os direitos reservados)
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