terça-feira, 14 de janeiro de 2014

"RENASCER" - Soares Teixeira




                                                        Fotografia de Mendes Domingos



Ondulantes lábios
de espuma
branca
brincam     belos     beijam-se
cada um parece uma multidão
de pequenos animaizinhos
unidos pela mesma canção
pela mesma dança
pelo mesmo diz-que-disse
“Lembras-te daquela praia?”
“Lembras-te daquele navio?”
“Lembras-te daquele peixe?”
“Era uma sereia!”
“E acenava-nos com a mão!”
pela mesma traquinice
pelo mesmo íntimo abandono
pela mesma viagem
pelo mesmo destino
e na praia um menino
a receber o mundo nos tornozelos
a sentir a espuma fresca
entre os dedos dos pés
“E tu quem és?”
perguntam-lhe de súbito
mil vozes em coro
enquanto mil braços
lhe abraçam as pernas
como se abraçassem um tesouro
“Eu sou aquele
que desde longe vos aconteceu
Eu sou aquele
que vos espera
Eu sou a vossa quimera
Eu sou aquele
que em vós renasceu”




Soares Teixeira – 14-01-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

domingo, 12 de janeiro de 2014

"PAISAGEM" - Soares Teixeira




Fotografia © Gugul (Raul)





Três quartas partes de mim
são céu
anterior ao crepúsculo que sinto na garganta
espaço sem nome
onde habitam as coisas por mim recordadas
e que dançam na boca de uma luz ausente
o resto é chão
com um frasco sem ilusão




Soares Teixeira – 12-01-2014
(© todos os direitos reservados)



quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

"ARTE" - Soares Teixeira




                                                                                      Danny Boulet, Photo © Ernie Sapiro




A arte de caminhar
sobre as águas do poema
como uma praia sem peso
que se eleva sobre o mundo
em deslumbrada ascensão
essa é a arte
que o olhar respira
depois da máscara ter cumprido a sua função
e repousar na prateleira sem plenitude

A arte de tornar azul o destino do poema
a arte de ser cálice
feito com o metal da sílaba ardente
a arte de ser paisagem
em aliança com o ser
a arte de ser diapasão do instinto
a arte de descobrir as plantas carnívoras
a arte de viver
depois de sobreviver



Soares Teixeira – 08-01-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

"HÁ POEMAS" - Soares Teixeira




                                                                          (Fotografia de Mendes Domingos - que inspirou o poema)



Há poemas que são praias onde costumo ir
caminho na areia     vejo o mar     sinto as aves
estendo as mãos ao Sol
deslumbro-me     espreguiço-me     desdobro-me
às vezes sou navio     outras arquipélago
É bom ter poemas assim
praias para andar por ali
por aquele chão tão meu     tão secreto     tão real
andar por ali     a ser livre     a ser eu
até à matinal frescura da última palavra



Soares Teixeira – 07-01-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

"ACREDITAR" - Soares Teixeira








Quando a minha descrença é vertical
sinto o mundo debaixo dos pés
este meu mundo que trago aceso no peito
jovem, forte, telúrico
ardósia dos meus passos
da minha presença a transpirar espaços
onde me alongo em assinatura
de tudo o que em mim habito
de tudo o que em mim habita
de tudo o que procuro
de tudo o que me procura
depois
vestido de azul
de certeza escrita pelo mar, pelas árvores
e pelos pássaros que me acontecem
nesta leveza de ser pensamento livre
esculpido pelo paraíso
que a cada instante me faz
além página de mim mesmo
porque
além murmúrio das flores     sou
porque
além alegria das cascatas     sou
porque
além milagre     sou
depois …
depois ergo os olhos ao alto
e acredito nas pupilas que me observam
por entreabertas portas de fogo
na primavera de cada constelação
nos poemas escritos pelos cometas
nas amendoeiras do infinito
e em tudo o mais que me mandar acreditar
esta liberdade que me leva pela mão



Soares Teixeira – 05-01-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 29 de dezembro de 2013

"OFERTA" - Soares Teixeira








Ofereço-te
a luz que se liberta das madrugadas
as distâncias que se estendem dos poemas
os sons mais íntimos de uma galáxia

Viro-me para a minha infância
e procuro a mais bela recordação
ofereço-ta

Vou buscar a liberdade de uma gaivota
e uso-a para embrulhar
o silêncio com que nos beijamos

Ofereço-te
esta romã no sangue, esta flauta lunar
esta proa de bruma, este sol sem peso
esta espuma que de mim voa



Soares Teixeira – 29-12-2013
(© todos os direitos reservados)