Dentro de cada um de nós há uma Lua que nos observa com olhar de antiquíssima fêmea fascinada com os nossos instantes. Ouvem-na respirar dentro do vosso peito? ela está lá, escondida e atenta - às vezes brilha, cresce, agiganta-se. Que nome lhe havemos de dar? razão... ideia… palavra... não sei. Talvez mergulhando dentro destes nossos lábios possamos ir ao seu encontro - olhá-la olhos nos olhos sentir-lhe o cheiro escutar o som dos seus passos tocar-lhe no corpo beber do seu leite. Depois podemos construir um barco de papel nele colocar a candeia transparente que não sabíamos ter na mão e ir pelo nosso primordial mar interior - ir, ir, ir – viver as mais improváveis navegações, sem nos querermos embriagar na descoberta de nós mesmos mas pressentindo que isso pode acontecer; olha! a infinita flor que nasce no corpo da sílaba, olha! a respiração das distâncias intactas dentro de novos pássaros, olha! a página a renascer do reino das veias, e ali olha! aquela resina de palavra antiga, ah! e além? vês? aquele vibrar de pálpebras… parecem revelar ancestrais pupilas nos andaimes do tempo, parecem as triunfais rosas leves que levam a beleza aos sonhos, aqueles sonhos de gente como nós, gente que se calhar éramos e seremos nós, gente de aquém e além agora. Agora… que é isso? Que significado tem? Neste percurso que iniciámos ao mergulhar dentro dos lábios, o que representa o agora? Agora fazemos nossa a carne dos espaços onde há e não há matéria, agora fazemos nosso o sangue que o tempo derrama no silêncio, agora fazemos nosso o prazer de consentir que as manhãs dos amanhãs acontecidos e por acontecer nos espreitem, agora confundimo-nos com a orla de todas as imanências e de todos os improváveis, agora somos a unidade e por isso somos também aquela Lua que nos observa com o seu olhar de antiquíssima fêmea fascinada com os nossos instantes. Sejam vocês mesmos - diz-nos ela – sejam vocês mesmos continuamente entornados como trigo a cair da ânfora que seguro nos braços. E então um novo pássaro descobre um atalho e todo o nosso corpo - mesmo o não adivinhado - e toda a nossa alma – mesmo a não adivinhada – sai dos nossos lábios num novo retorno, um retorno em palavra, palavra aberta; aberta como a flor do Hibisco.
Soares Teixeira – 02-11-2013
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