sábado, 15 de junho de 2013

"SOMOS LEVES" - Soares Teixeira







Somos leves
olhamos em frente letra a letra
sem pressas
e os nossos corpos são feitos
com o acordar dos pássaros
Somos leves
entre as raízes das cores
que se estendem pela nossa claridade
e no aroma de tudo o que é belo
e promete ser mais belo ainda
Somos leves
diante do mundo e diante dos instantes
Somos uma ovelha no campo de um verso
branca    silenciosa 
Somos uma flauta a flutuar num segredo
longa    liberta
Somos leves
caminhamos com vagar interior
e ao caminhar vamos ficando
nos arbustos de cada instante
Somos leves
e avançamos juntos de dedos enlaçados
como caules de flores que prometem ser únicas
Somos leves
e no nosso mundo fresco e sem peso
recebemos a grande praia transparente
dos amanhãs que se anunciam
Somos leves
como um princípio que ainda tem de ser dividido
Somos leves
e os nossos lábios serão o início de toda a obra




Soares Teixeira – 18-04-2013
(© todos os direitos reservados

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Junho está estranho








Junho está estranho. Apetece-me Bach. Não apenas escutar Bach mas emergir da música do Mestre e ir ao encontro de lugares iniciais. Lugares de mistério e sossego situados entre galáxias longas e lentas, como flores de tédio. Apetece-me ficar na proa do navio da música de Bach e deixar-me ir no poema dos sons. Apetece-me abrir os braços à claridade da grande música e ser apenas espírito. Prescindo de tudo o que ornamenta a vaidade dos bichos menores e prescindo até desses mesmos bichos. Prescindo mesmo do meu baú de sonhos. Apenas música, só música, como alimento e viagem.

domingo, 2 de junho de 2013

"MAR" - Soares Teixeira



Praia do Magoito (02/05/2013)




Mar
escuto a tua voz
escutas o meu silêncio
ambos sabemos
que sou eu o inacabado
por isso perante ti
faço-me templo
as minhas colunas
têm a altura do voo das gaivotas
as minhas abóbadas
nascem no sol
e este chão
é o respirar da tua superfície

queres saber de que são feitas
as minhas paredes?
elas são o vento a bater
em falésias de um eu
por acontecer

queres saber como são
as minhas portas?
são estes braços estendidos
para  receber
os teus abismos e milénios

queres saber se tenho janelas?
sim tenho janelas
tenho milhões de janelas
por onde entra a claridade
e uma outra
imensa sem fim
que me faz falar-te assim
uma janela
do tamanho da liberdade



Soares Teixeira – 02-06-2013

(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 30 de maio de 2013

"SOLENIDADE" - Soares Teixeira





Cabo Sounion, Grécia




Encosto o sol à boca
e tudo é sagrado
estou carregado de pensamentos
como uma grande laranjeira
no pomar que guardo
atrás das pupilas
Através de mim
o instante está feliz
e o seu caule
eleva-me no espaço
Solenidade
A distância chama pela palavra
e pede-a em casamento
ela
vestindo-se rápido
com o meu sorriso
diz que sim
Um pássaro prepara a festa
entrançando luz
nos ramos das árvores
Não sei o que me apetece
nem o que desejo
sei que pertenço às falésias
de onde aceno
a veleiros de claridade



Soares Teixeira – 30-05-2013
(© todos os direitos reservados)

domingo, 26 de maio de 2013

"PÉS" - Soares Teixeira



Alonguei os pés
como quem calça uns sapatos novos
e mergulhei-os dentro da água
nua e fresca
a oferecer-se
como presente sempre eterno
As minhas mãos estavam
ao lado do corpo
sobre a rocha onde me sentava
mas tinha os braços abertos
porque era assim o meu respirar
O mar recebia
os peninsulares dedos dos meus pés
que se abriam e contorciam de gozo
como príncipes
celebrando a conquista de um novo reino
O sol a debicar-me nas pálpebras
cada raio uma gaivota
em busca de alimento
talvez os meus pensamentos
Com todos os navios do olhar
rumo ao horizonte
levava nessa tranquila frota
os meus sentimentos
o resto
matéria para dar vida à liberdade
que ficasse
como a rocha
o olhar que fosse
ser instante sem moldura
Ao ver uma gaivota passar
senti-a tão verdadeira como as outras
as que são feitas de luz e espanto
e que eu alimento
com aquilo que me dá o ser
o pensamento
De repente dois peixes
a passear tranquilos no mar
chamam-me a atenção
sinto-os felizes
debruço-me para os ver melhor
faço-os agitar
saltam como loucos
como são bonitos
os meus pés

Soares Teixeira – 15-05-2013

(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 16 de maio de 2013

"NÓS PRÓPRIOS" - Soares Teixeira








Um dia separámo-nos das rochas
e caminhámos em frente
pela planície da dor e descoberta
connosco levámos
a incandescência do magma
e dela fizemos nascer
ao som de flautas e canto
o jardim de palavras
com que hoje
perfumamos os dias
Se estamos aqui
é porque o tempo nos aproximou dos seus lábios
para nos beijar e dizer o nosso nome
sílaba a sílaba silêncio a silêncio
O horizonte observa
o trabalho de sermos nós próprios
dentro e fora do reino do nosso corpo
Sejamos pois frontais às lutas
nem que para isso tenhamos de ser
a derradeira asa de um poema



Soares Teixeira – 16-05-2013
(© todos os direitos reservados)