Junho está estranho. Apetece-me Bach. Não apenas escutar
Bach mas emergir da música do Mestre e ir ao encontro de lugares iniciais.
Lugares de mistério e sossego situados entre galáxias longas e lentas, como
flores de tédio. Apetece-me ficar na proa do navio da música de Bach e
deixar-me ir no poema dos sons. Apetece-me abrir os braços à claridade da
grande música e ser apenas espírito. Prescindo de tudo o que ornamenta a
vaidade dos bichos menores e prescindo até desses mesmos bichos. Prescindo
mesmo do meu baú de sonhos. Apenas música, só música, como alimento e viagem.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
domingo, 2 de junho de 2013
"MAR" - Soares Teixeira
Praia do Magoito (02/05/2013)
Mar
escuto
a tua voz
escutas
o meu silêncio
ambos
sabemos
que
sou eu o inacabado
por
isso perante ti
faço-me
templo
as
minhas colunas
têm a
altura do voo das gaivotas
as
minhas abóbadas
nascem
no sol
e este
chão
é o
respirar da tua superfície
queres
saber de que são feitas
as minhas
paredes?
elas
são o vento a bater
em
falésias de um eu
por
acontecer
queres
saber como são
as minhas
portas?
são estes
braços estendidos
para receber
os teus
abismos e milénios
queres
saber se tenho janelas?
sim tenho
janelas
tenho milhões
de janelas
por
onde entra a claridade
e uma
outra
imensa
sem fim
que me
faz falar-te assim
uma
janela
do
tamanho da liberdade
Soares Teixeira – 02-06-2013
(© todos os direitos reservados)
quinta-feira, 30 de maio de 2013
"SOLENIDADE" - Soares Teixeira
Cabo Sounion, Grécia
Encosto o sol à boca
e tudo é sagrado
estou carregado de pensamentos
como uma grande laranjeira
no pomar que guardo
atrás das pupilas
Através de mim
o instante está feliz
e o seu caule
eleva-me no espaço
Solenidade
A distância chama pela palavra
e pede-a em casamento
ela
vestindo-se rápido
com o meu sorriso
diz que sim
Um pássaro prepara a festa
entrançando luz
nos ramos das árvores
Não sei o que me apetece
nem o que desejo
sei que pertenço às falésias
de onde aceno
a veleiros de claridade
Soares Teixeira – 30-05-2013
(© todos os direitos reservados)
domingo, 26 de maio de 2013
"PÉS" - Soares Teixeira
Alonguei
os pés
como
quem calça uns sapatos novos
e
mergulhei-os dentro da água
nua e
fresca
a
oferecer-se
como
presente sempre eterno
As
minhas mãos estavam
ao
lado do corpo
sobre
a rocha onde me sentava
mas
tinha os braços abertos
porque
era assim o meu respirar
O mar
recebia
os
peninsulares dedos dos meus pés
que se
abriam e contorciam de gozo
como
príncipes
celebrando
a conquista de um novo reino
O sol
a debicar-me nas pálpebras
cada
raio uma gaivota
em
busca de alimento
talvez
os meus pensamentos
Com
todos os navios do olhar
rumo
ao horizonte
levava
nessa tranquila frota
os
meus sentimentos
o
resto
matéria
para dar vida à liberdade
que
ficasse
como a
rocha
o
olhar que fosse
ser
instante sem moldura
Ao ver
uma gaivota passar
senti-a
tão verdadeira como as outras
as que
são feitas de luz e espanto
e que
eu alimento
com
aquilo que me dá o ser
o
pensamento
De
repente dois peixes
a
passear tranquilos no mar
chamam-me
a atenção
sinto-os
felizes
debruço-me
para os ver melhor
faço-os
agitar
saltam
como loucos
como
são bonitos
os
meus pés
Soares Teixeira – 15-05-2013
(© todos os direitos reservados)
quinta-feira, 16 de maio de 2013
"NÓS PRÓPRIOS" - Soares Teixeira
Um dia separámo-nos das rochas
e caminhámos em frente
pela planície da dor e descoberta
connosco levámos
a incandescência do magma
e dela fizemos nascer
ao som de flautas e canto
o jardim de palavras
com que hoje
perfumamos os dias
Se estamos aqui
é porque o tempo nos aproximou dos seus lábios
para nos beijar e dizer o nosso nome
sílaba a sílaba silêncio a silêncio
O horizonte observa
o trabalho de sermos nós próprios
dentro e fora do reino do nosso corpo
Sejamos pois frontais às lutas
nem que para isso tenhamos de ser
a derradeira asa de um poema
Soares Teixeira – 16-05-2013
(© todos os direitos reservados)
quarta-feira, 15 de maio de 2013
"GATO" - Soares Teixeira
Quase noite
O gato aproximou-se
sentou-se sobre as patas de trás
lambeu uma pata da frente
colocou a cauda em volta do corpo
e olhou-me fixamente
Senti-me intimidado
trespassado
e decidido enfrentei-o
olhos nos olhos
De súbito
silenciosamente o gato pulou
para cima da Lua
e todo o universo entrou nas suas pupilas
eu também
Confuso espanto de viagens improváveis
antiquíssimas luzes de brilhos sem orla
longos vazios de onde o tempo emerge e submerge
inviolado mistério de estranhas combinações
Colocam-me a mão no braço
volto-me com músculos e olhar de felino
fui rápido e conciso no meu silêncio
e regresso ao outro gato
desaparecera
O instinto mandou-me olhar para a Lua
sorri
e deixo-me escorregar
para dentro de mim mesmo
De novo humano
bebi outro golo de café
noite
Soares Teixeira – 02-05-2013
(© todos os direitos reservados)
quarta-feira, 8 de maio de 2013
"THE HOUNDS OF GREEVOR" - David Kemp
Extraordinária obra do artista David Kemp feita com velhas botas de mineiros de uma mina desactivada. A força que trabalhava nas entranhas da terra magnificamente homenageada.
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