NAVEGAÇÃO
Gostava que
o meu olhar pudesse sair pelos dedos do meu braço e entrar naquela cabeça,
naquele cérebro, e percorrer aquele braço e sair pelos seus dedos, no momento
em que ele assinou aquele documento. E depois ficar ali; espectro, fantasma,
coisa longínqua, coisa indefinível, futuro, séculos. Olhá-los olhos nos olhos,
a todos, mas, principalmente, a ele, Afonso, e ter a ousadia de avançar entre
capas a cobrir corpos tensos com rostos sérios e abraçá-lo, e murmurar-lhe ao
ouvido apenas uma palavra: “Obrigado”. E
porque não, fazer essa viagem? Sim, um eu, oitocentos e oitenta anos antes de
estar aqui, estar lá e observar como ele, com os seus olhos inquietos, conquista
instante e procura horizonte. E lá, depois de todos saírem, esse eu, fica só,
sentado numa cadeira a olhar para a mesa onde momentos antes o Tratado de Zamora
fora assinado. 05 de Outubro, como hoje, mas 1143. Pelas paredes e chão de pedra desliza a
minha emoção, que sobe à mesa agora sem nada em cima, e aí me detenho, nessa
superfície de madeira, vazia, mas tão cheia – árvore que foi, em floresta se
tornou. E assim naveguei, hoje 05 de Outubro de 2023, eu José.
Soares Teixeira – 05 de Outubro de 2023
(© todos os direitos reservados)
Sem comentários:
Enviar um comentário