sábado, 30 de abril de 2022

CASA DA MÁQUINA DE NAVIO MERCANTE

 


 Fantástico video sobre a magnífica casa da máquina de um grande navio mercante.

Para recordar os meus tempos de Oficial de Máquinas da Marinha Mercante Portuguesa. 

O esplendor da técnica e..., da poesia

 




segunda-feira, 25 de abril de 2022

"CONTIGO, LIBERDADE" - SOARES TEIXEIRA

 

Liberdade,

beijo-te as vogais,

acaricio-te as consoantes

e tu fazes-me o mesmo,

na praia que nos escolheu

para, descalços,

sermos a alegria

que o sol quer beber.

 

Mar, céu, horizonte,

olhem-nos;

somos um litoral,

de cabelos ao vento,

mãos dadas, riso solto,

- venham, venham connosco,

ser pássaro a cantar gesto,

na flor vermelha deste dia

 

 

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Soares Teixeira-25-04-2022

(© todos os direitos reservados)

 

 

Nota: 

Foi com alegria que escrevi este poema porém sem esquecer que enquanto o meu País celebra cravos livres noutras latitudes a guerra e as trevas são espinhos cravados no corpo e na alma. 




 

terça-feira, 19 de abril de 2022

"AS PEQUENAS PALAVRAS", ROSA LOBATO DE FARIA

 

 Em dia de funeral de Eunice Munoz, umas das maiores actrizes que já veio a este planeta, um nó na garganta. Tenho estado a vê-la e a ouvi-la nos teatros onde a admirei e aplaudi. Mais uma vez , Obrigado Eunice Munoz. Aqui deixo um poema - um belíssimo poema - com um aceno de adeus.

 



sábado, 9 de abril de 2022

"MARIA" - SOARES TEIXEIRA

 


                  MARIA

 

                        I

 

Havia grandes e pequenos sonhos,

havia alcunhas e muitas histórias,

deste e daquele e do outro,

havia o à vontade quotidiano

com que se olhava, caminhava, falava,

e havia a casa,

com chão, tecto, paredes, portas, janelas,

e havia camas, feitas e desfeitas,

e gavetas abertas, fechadas, e entreabertas,

com talheres dentro de umas e roupa dentro de outras,

e armários com loiça e coisas úteis e inúteis,

e frascos alinhados sobre a bancada da cozinha,

e um interruptor que tinha deixado de funcionar,

e o pingo de uma torneira, e o tapete que escorregava,

e a família e os amigos que iam lá a casa,

e havia a hora do levantar, e o pequeno-almoço,

e o ir para o trabalho, e a casa para arrumar, e o fazer o jantar,

e uma chave que às vezes ninguém sabia onde estava,

e a mesa cheia com os carinhos, os poemas e as canções dos avós

que lá tinham ido a semana passada celebrar o aniversário da neta,

feliz ao mostrar o seu pequeno gato que achara na rua, abandonado,

um gato que gostava de se esconder e que ela mimava e protegia,

e a receita de uns óculos, e a roupa para lavar,

e o espelho onde ela via uma ruga que ele não via

e onde ele se barbeava como ela gostava,

e o silêncio a certas horas do dia, e a algazarra noutras,

e havia o beijo, a carícia, a confidência, o sono,

o normal fazer isto e aquilo e esquecer de fazer algo,

e havia o sorrir e perguntar: “Como foi a escola hoje?”,

e a boca radiosa a responder: “Hoje fomos plantar árvores!”,

e o amor a dizer: “És linda!”

e havia coisas que se punham e tiravam dos seus lugares

e havia rotinas e acasos, e uma jarra antiga.

e havia orgulhos partilhados e cansaços ao fim do dia

e planos para amanhã e pequenas provocações

havia…,

havia paredes a separar quartos

havia quartos dentro da casa

havia casa dentro do prédio

havia prédio na rua

havia…

 

                             II

 

Bombardeamento:

uma palavra

em que cada letra

é um imenso punhal

interminável, vertiginoso;

uma palavra

em que cada sílaba

é uma longa lâmina aguçada

a degolar o dia;

uma palavra

faminta de destruição

e morte.

Bombardeamento:

desmedidos urros e fétida saliva

sobre os instantes;

cabelos desgrenhados do terror

a estrangular o tempo;

alucinado precipício aberto

em toda a matéria;

o fim como protagonista

de tudo.

Bombardeamento:

a boca de todas as coisas

escancarada de espanto

e depois esmagada;

as formas dos objectos

arrepiadas de horror

e depois desfeitas.

Bombardeamento:

o significado do quotidiano

de braços estendidos

e depois decepados

Bombardeamento:

horror e escombros

- duas palavras

a olharem-se olhos nos olhos

e a dizerem ao mesmo tempo:

“Ainda há apenas um momento…”

e a gritarem ao mesmo tempo:

“Como foi possível?!”

Bombardeamento:

uma palavra só, a rasgar a razão

 

                             III

 

Entre o entulho

procurava-se gente

e gente era encontrada

entre pedaços, estilhaços, farrapos, pó,

e restos de gente, também,

sem nada a palpitar dentro.

Tudo eram disformes pegadas

de uma irracionalidade

vinda de outra dimensão.

Tudo existia do outro lado da atmosfera

e nenhuma frincha para ir buscar

quem ali estava mas já não existia;

era resto, apenas.

Tudo em alucinante soma de queda e rotação

pela profundidade de uma fogueira

que consumia extensas florestas de alma.

Havia quem maldissesse

a desumana crueldade

daquela assinatura de destruição.

Havia quem quisesse desaparecer

para que os seus restos completassem

o horror daqueles restos.

Havia quem furiosamente e continuamente

procurasse e chamasse

uma, e outra, e outra vez.

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Num profundo vale de cinza

já dialogava com a morte

aquela que fora tagarela, que rira,

e amara um gato

e arrumara o seu quarto,

na semana passada,

na véspera do aniversário dos seus dez anos,

e que agora era

um resto escondido entre o entulho

à espera de ser encontrado

pela desmesura de um desespero.

Um fio de sangue saído do seu corpo

e um fio de sangue saído dos seus sonhos

estenderam-se e entrançaram-se

formando um caudal de adeus

que se alongou, multiplicou e dispersou,

serpenteando pela cadavérica intimidade

da montanha de escombros,

serpenteando interrogativamente,

lentamente, ou com brusquidão,

serenamente, ou em espasmos,

serpenteando…,

inominável, inaudível,

por baixo, por cima e pelos lados

de todos os restos e de toda a ruína,

serpenteando…,

como penetrante dor assombrada,

continuamente a infiltrar-se,

a abrir caminho,

por todos os interstícios,

ininterruptamente,

até sair dos escombros,

serpenteando…,

primavera que pouco viveu,

ribeiro de regresso à nascente,

a sua mãe,

que quase asfixiava

com o pressentimento

que a assaltava,

e que a fazia pairar num eco,

que, como ela, se desvanecia…,

desvanecia…,

Insuportavelmente incandescentes

foram as palavras

que lhe furaram as entranhas

e esmagaram o crânio até ao desmaio:

- “A Maria morreu!...”

 

 

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Soares Teixeira-21-03-2022

(© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS)