sexta-feira, 26 de junho de 2009

Nona Sinfonia de Beethoven

Viena, 7 de Maio de 1824, Kärntnertortheater. Caroline Unger não detém um ímpeto que lhe irrompe do fundo da alma, e avança. O momento é de triunfo absoluto, mas também de constrangimento. À sua frente glória e tragédia habitam no homem que não pára de gesticular; um homem acorrentado ao silêncio; um homem mergulhado na música com que ilumina o mundo. A cantora coloca-lhe as mãos nos ombros. Confuso o homem pára os seus movimentos. Silêncio, sempre o silêncio. O homem olha para a cantora, depois para o maestro, depois para a orquestra. Porque não tocam? Compreende imediatamente. A sinfonia tinha terminado; o maestro não respeitara a sua regência – adiantara-se. Ou teria sido ele que se atrasara nalguns compassos? Cada som nascera do seu cérebro, ele melhor do que ninguém sabia o que estava a dar ao mundo e no entanto… aquele silêncio atroz que o impedia de comunicar com os músicos, de controlar uma orquestra; aquele silêncio que o dilacerava, que o punha à margem da sociedade, que o envergonhava. Estivera a ali, no palco, ao lado do maestro, regendo também, regendo a música que ele próprio havia composto, guiando-se pela sua própria partitura, e no entanto… aquele embaraço. O olhar terno, tenso e comovido de Caroline Unger abraça-o e o homem deixa-se guiar pelas suas mãos e volta-se para o público. Há lenços no ar, agitam-se chapéus, muitas mãos a baterem uma na outra, braços que agitam, bocas que se mexem, algumas pessoas levam os dedos aos olhos. Silêncio. Um sucesso. O maestro Michael Umlauf, que ordenara à orquestra e ao coro que não seguissem as indicações daquele homem genial mas completamente surdo, lança um sorriso de aprovação a Caroline. O homem agradece ao público o apreço pela sua música. Silêncio. Silêncio. O ruído na sala é ensurdecedor. E quanto mais ensurdecedor mais dramático, porque aquele público que de pé o ovaciona sabe que o homem deixou de ouvir há já muitos anos. E quanto mais dramático mais vibrante, mais frenético, mais expansivos os gestos. Silêncio. As ovações sucedem-se e parecem não ter fim. Silêncio. O homem agradece. O prodígio da sua música torna-o quase irreal aos olhos do público. “Como é possível?”, perguntam todos no seu íntimo, e a ausência de resposta faz tremer todo o teatro. O homem sente as tábuas do palco vibrarem debaixo dos pés. Nenhum som, silêncio, silêncio, silêncio. Um contínuo mar de silêncio num cérebro fervilhante de música.
Viena, 7 de Maio de 1824, Kärntnertortheater – é estreado um dos maiores monumentos musicais de todos os tempos. Doente, profundamente solitário, quase vencido pelo destino Beethoven entrega ao Tempo um prodigioso e inigualável hino à esperança e à fraternidade: a Nona Sinfonia.





No vídeo abaixo, excerto do filme "Immortal Beloved",(1994), do realizador Bernand Rose, uma belíssima recriação da estreia da Nona Sinfonia. Apesar de alterar um pouco o registo histórico do que foi a presença em palco do Grande Génio dá uma ideia da comoção que terá irradiado de Beethoven e da sua Nona Sinfonia para os músicos e para o público - e para a eternidade.







Há precisamente um ano estiveste comigo num momento particularmente duro. Obrigado Beethoven.


Soares Teixeira

Sem comentários:

Enviar um comentário