quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

"SEARA" - Soares Teixeira





Às vezes sinto
gaivotas vermelhas
em viagem pelo sangue
isso acontece
quando me ergo
em seara
até ao sol de ser
promontório
no horizonte de um navio
a que o mar chama
liberdade


Soares Teixeira – 14-01-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

"A SEDE DO POETA" - Soares Teixeira





Quando a sede assola o poeta
a palavra chove-lhe dentro do peito
sente-se o cheiro a terra molhada
e o poema cresce
ao lado das árvores
das folhas caídas e dos insectos

Lá no alto as gaivotas levam-lhe
a camisa as calças e as sandálias
e o poeta vai nu
com os rochedos e o mar e o céu
por única companhia
às vezes um gato sai
do seu corpo
e salta para um astro na mão da noite

quando isso acontece
húmida
a terra
ao assistir ao secreto desdobramento
do poeta
oferece-lhe os seus seios e as suas coxas
e o seu sexo
e diz-lhe
“Cresças em sede
assim na terra como nos céus”



Soares Teixeira – 13-01-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

"CISNES" - Soares Teixeira



(Foto: In "Le monde en noir...", s/ identificação de autor)


       Somos
dois dedos abraçados
sem sabermos
qual o meu
qual o teu
dois dedos
como dois pescoços de cisnes
enlaçados
e o grande prodígio do instante
é que tudo à nossa volta é mar
e nos convida a ir
rumo à primeira respiração
dos humanos vulcões
e em seguida
a bebermos
da inesgotável fonte
onde os anjos são de luz lunar
e onde
depois de redescoberta
a geografia do corpo
o silêncio de seremos
inteiramente cisnes
nos canta aquela nossa canção
            nós
poemas de asas brancas
em paisagens a começar
cantamos também
com a voz do olhar



Soares Teixeira – 12-01-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 11 de janeiro de 2015

"PRESENTE" - Soares Teixeira



(Fonte da foto: http://www.linternaute.com/actualite/societe-france/manifestation-charlie-hebdo-quand-et-ou-a-lieu-la-marche-republicaine-0115.shtml)


Da lágrima emerge o caule dos espaços
para dizer
PRESENTE
aqui
diante da erva inaugural que atravessa os dias
diante da mesa onde é celebrada a água e a árvore
diante do fruto que se abre em palavra
diante do caminho que é cálice
diante da luz que é carne e sonho e verdade viva
aqui
diante da hora do pássaro
diante da ondulação do instante
diante do sopro das veias
diante da alma dos músculos
diante dos pulmões da consciência
aqui
diante dos mortos
diante dos que hão-de nascer
diante dos que estão em si a acontecer
diante dos que se estendem nas suas entranhas
diante dos que se alongam das suas mãos
PRESENTE
Da lágrima emergem os mastros do veleiro
e o navio inteiramente frontal à liberdade
mostra-se em toda a sua solar vontade
tem um nome este veleiro feito de gente
e o seu nome é
PRESENTE



Soares Teixeira – 11-01-2015
(© todos os direitos reservados)


sábado, 10 de janeiro de 2015

"VERDES SÃO OS PINHAIS" - Soares Teixeira





Verdes são os pinhais
mesmo no interior da noite
verdes e sagrados
mesmo no interior de búzios esmagados

coberta de sombras a nudez do lodo
expõe a gangrena que mata a ave
no seu rosto não há lugar para o engano
apenas o ser chão sem flor nem alvorada

o uivo cresce na esclerose
que comanda o leme do navio de febre
alheio à dor da lua por não poder ser luar
em olhos sem planície nem mar

mas verdes são os pinhais
mesmo no interior da claridade apedrejada
mesmo diante da hiena com focinho de cinza
verdes são os pinhais

há crianças que não dormem e as suas têmporas
são praias a dizer o nome dos astros
há crianças de todas as idades que dão as mãos
e que numa dança de roda não dormem e são vento

formigas e vulcões
sinos e laranjas
cantam nos caminhos siderais
verdes são os pinhais



Soares Teixeira – 10-01-2015
(© todos os direitos reservados)