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"À BEIRA MAR" - Soares Teixeira

Aqui perante este horizonte onde me alongo dentro desta distância que acontece em mim sou um crente aos pés do sonho sou uma pálpebra sem fim sou o absoluto no céu o azul recebe o vermelho nas asas das gaivotas nadam peixes é de espuma a sabedoria do mar a praia faz companhia aos barcos o sol aninha-se nas águas respiro a anunciação de que é feito o ar bebo êxtase não quero outro paraíso aqui neste agora tão leve recebo o primeiro começo de uma divindade sou um grão de areia com uma alavanca no peito sou um átomo com o infinito no pensamento aqui ao abrigo deste momento sou uma nuvem onde me deito começo onde estou e acabo na eternidade não quero outro paraíso Soares Teixeira

"REGRESSO" - Soares Teixeira

Um violoncelo desliza pelo vasto corredor de uma casa antiga vazia à sua passagem as salas suspiram de saudade e a entranhada mágoa das paredes espreita por cima das molduras dos retratos de gente que já foi claridade Um vento fresco de manhã inaugural sopra súbito sobre aquele grande livro fechado e uma janela abre-se e mil pássaros de luz serpenteiam pelos corredores pelas escadas e pelas salas da grande casa tombada no musgo do tempo uma jovem de tranças louras solta gargalhadas cristalinas e uma alegria exilada saúda os retratos Como um fiel namorado o violoncelo desliza para os braços da adolescente e Bach irrompe como uma primavera Lá fora o velho carvalho reúne os pássaros e juntos observam o portão do jardim que depois de tantos anos fechado se abre agora em movimento lento quase ilusório Ela voltou dizem as aves Está igual diz a árvore fiel Tantos anos diz comovida a anciã Soares Teixeira

"INFÂNCIA" - Soares Teixeira

A folha flutua no lago um insecto é um marinheiro na folha um raio de sol traça o rumo uma criança observa o seu olhar é tão fugaz como o de um pássaro despreocupadamente azul Soares Teixeira

"HÁ ÁRVORES NASCIDAS DO LUAR" - Soares Teixeira

Há árvores nascidas do luar há regatos em êxtase a cantar há delírios com cheiro a mar E existe o teu olhar por onde se ascende ao infinito e existe o teu gesto que se confunde com o ardor do Sol E existe o teu corpo que é o eco de um grito E existem estas veias contentes, intensas e embaladas E existe este corpo rápido como um remo que encurta as águas do instante para que haja um só impulso a florir do prazer de sermos um só astro Soares Teixeira

"VOANDO SOBRE OS AREAIS DA HISTÓRIA" - Soares Teixeira

Voando sobre os areais da História um pássaro observa como se repetem os sorrisos fáceis e as promessas em flor os mesmos incautos - perdidamente confiantes os mesmos inocentes, os mesmos chacais tudo igual, tudo água da mesma fonte e no seu peito invadido de horizonte o pássaro já não guarda esperança sente-se feliz por não ser abutre e muito menos Homem Soares Teixeira

"O POETA E OS RATOS" - Soares Teixeira

Três ratos de olhar brilhante como um estilete de aço conspiram contra o poeta Sete lágrimas afiadas sete mares em cada braço sete árvores plantadas em sete palavras de aço eis o poeta De horizonte na lapela com o amanhecer nos passos com um sorriso a fazer de vela e um toque de ironia o poeta caminha por trilhos de fantasia espalhando verdades que só outro poeta adivinha e assim vai caminhando por entre laranjais, mistérios sonhos e adversidades assim vai seguido pelos ratos que em três abraços celebram a gorda maquinação Assim é o mundo assim gira e há-de girar uma bola suspensa no ar onde sempre haverá um poeta a cantar e três ratos a conspirar Soares Teixeira

"POBRES MULHERES DO MAR" - Soares Teixeira

Dos terraços do olhar as mulheres do mar estendem os braços aos ventos que ondulam à volta do mundo entre os seus cabelos há uma folhagem de solidão entre os seus lábios há sussurros pesados entre os seus dedos há uma espera sem nome As mulheres do mar encostam-se às colunas de si mesmas abandonadas a um desejo longo destroçadas pelas cabeças das ondas que nunca mostram os seus olhos para que não seja possível adivinhar se são vivos ou mortos os seus homens os homens das mulheres do mar que em mapas de inquietação escavam sonhos no vazio em busca do outro lado do luar Pobres mulheres do mar a sua saudade é um suor que lhes escorre do olhar o seu gesto abre o longe mas nenhum pássaro revela o navio Silêncio apenas silêncio cortado pelo vento e pelo som do mar Pobres mulheres nos terraços do olhar pobres mulheres do mar Soares Teixeira