POEMA DCCCL
DESPIU-SE DEFRONTE DO ESPELHO FRIO
despiu-se defronte do espelho frio
olhou-se demoradamente
analisou ruga a ruga a ruína a que chegara
o corpo descarnado
os seios pendentes e mirrados
os olhos mortiços
a cerviz vergada
o que por ela poderia alguém sentir?
náusea?
dó?
quem por ela poderia sentir algo?
doentes?
os rejeitados do mundo?
os velhos da sua idade?
e esses para que os quereria ela?
para chorarem a par?
finalmente o espelho deixara de lhe mentir
deixava de lhe servir
cuspiu asco
guardou as memórias numa caixa dourada
apagou o candeeiro
entregou-se às trevas
fechou-se na solidão e saiu na última paragem
Joaquim Murale, in “o ÀSPERO
TEMPO DAS MARIONETAS”, pág 204
Seda Publicações - 2022