domingo, 20 de novembro de 2016

"EVASÃO" - Soares Teixeira



Eternamente horizonte
as gaivotas bebem azul
em voos perfeitos
nada perturba a lisura
das toalhas que estendem
sobre a mesa do meu olhar
sento-me
numa cadeira de pensamento
e logo a torno ausente
porque a contemplação
se sobrepõe
a tudo o que em mim é interior
sou outro instante
outro dia parecido com este
mas diferente
outra hora
em que não me esperava encontrar
ou talvez esperasse
no segundo em que nasci
sou um outro que me substituiu
e a minha forma é a de cálice
e a minha substância é luz
assim sentado sou um não-ser
que é celebração
assim ausente sou taça imaterial
que é condição
nem espanto de árvore
nem pórtico de mistério
levo comigo
vou no cortejo das aves
e tudo em mim se resume
ao impossível que já não é
até a cidade da alma fica para trás
O Além, apenas… e tanto…



Soares Teixeira – 20-11-2016
(© todos os direitos reservados)

sábado, 19 de novembro de 2016

"TESTEMUNHO" - Soares Teixeira



Com um silêncio de céu
sinto-me dizer:
cada flor é uma navio
com as ânforas do meu Ser



Soares Teixeira – 19-11-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

"BELO" - Soares Teixeira



Belo
ver o mundo escrever
com a voz vertical das rosas
lá no alto, bem no alto
numa ardósia de astros
a palavra “Paraíso”
Belo
sentir na nervura das manhãs
a Terra ser prodígio
com vértebras de claridade
Belo
o íntimo inexplorado do mistério
com que os gatos olham o espaço
a canção branca da espuma do mar
sobre a sonâmbula superfície das rochas
a doçura do azul no espanto de uma criança
Belo


 
Soares Teixeira – 17-11-2016
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 15 de novembro de 2016

"SER ALGUÉM" - Soares Teixeira



Ser alguém
não é ficar na berma do desejo
nem deixar a voz debaixo de uma pedra
é ir
rodar no espaço com o corpo de um fruto
abrir a boca ao azul dos cânticos
é ser chama a saltar de sede em sede
é ser astro dentro de uma flor
é ser vinho na taça do impossível
é beber, beber, beber
beber
beber as manhãs dos cavalos alados
que voam dentro das veias
beber as altitudes a que as árvores
entregam o olhar
é ser respiração que dá vida ao alabastro
é ser mar na festa da distância
ser alguém
é acender uma luz no peito
e avançar
avançar, sim
mas sem quebrar o mastro
de outro veleiro
que com nós
quer comer as uvas da viagem


 
Soares Teixeira – 15-11-2016
(© todos os direitos reservados)



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"ESTA NOITE" - Soares Teixeira



Esta noite, amada Lua
estou muito para lá do tecto de qualquer palavra
esta noite
qualquer secreto indício de poema
é sonolento silêncio de sílaba
é deriva de pó estrelar
esta noite
tu, amada Lua
és o Poema
e eu perco-me na minha única verdade:
o ser água da tua nascente
o espalhar-me num peito para lá do corpo
o  fazer-me crescer em árvore que canta
o ir abraçar-te com os meus longos ramos tranquilos
o beijar-te os lábios cor de começo
e dizer-te baixinho
Amo-te!



Soares Teixeira – 14-11-2016 (Noite de Super Lua)
(© todos os direitos reservados)

domingo, 13 de novembro de 2016

"SÓ O VENTO" - Soares Teixeira


O vento assobia no interior do vento
que dança à volta do navio incompleto que sou
observo-o
escuto-o
enquanto caminho no luar da hora
às vezes sinto-me árvore que se intromete no horizonte
outras vezes horizonte com os sapatos rotos

Vejo-me nos olhos cansados de me imaginar
água e canal por onde a água corre
e aquilo que é irrigado é o pomar da casa da ilusão
e não encontro nenhuma porta a que possa bater
ninguém que me escute
nenhum conforto para a minha via láctea

Só o vento…
Só o vento…



Soares Teixeira – 13-11-2016
(© todos os direitos reservados)