segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"ESTA NOITE" - Soares Teixeira



Esta noite, amada Lua
estou muito para lá do tecto de qualquer palavra
esta noite
qualquer secreto indício de poema
é sonolento silêncio de sílaba
é deriva de pó estrelar
esta noite
tu, amada Lua
és o Poema
e eu perco-me na minha única verdade:
o ser água da tua nascente
o espalhar-me num peito para lá do corpo
o  fazer-me crescer em árvore que canta
o ir abraçar-te com os meus longos ramos tranquilos
o beijar-te os lábios cor de começo
e dizer-te baixinho
Amo-te!



Soares Teixeira – 14-11-2016 (Noite de Super Lua)
(© todos os direitos reservados)

domingo, 13 de novembro de 2016

"SÓ O VENTO" - Soares Teixeira


O vento assobia no interior do vento
que dança à volta do navio incompleto que sou
observo-o
escuto-o
enquanto caminho no luar da hora
às vezes sinto-me árvore que se intromete no horizonte
outras vezes horizonte com os sapatos rotos

Vejo-me nos olhos cansados de me imaginar
água e canal por onde a água corre
e aquilo que é irrigado é o pomar da casa da ilusão
e não encontro nenhuma porta a que possa bater
ninguém que me escute
nenhum conforto para a minha via láctea

Só o vento…
Só o vento…



Soares Teixeira – 13-11-2016
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

"NO BOSQUE" - Soares Teixeira



Nenhum
o peso da folhagem sobre as pálpebras
nenhum
ramo de árvore convertido em alheamento
nenhum
pássaro ausente da retina
nenhuma
a fresta por onde se escape o encanto

o bosque desenha-me o gesto
e afago cada árvore com o mesmo liso vagar
com que a luz voa para dentro do meu peito

nenhuma outra linguagem
possível
nenhum outro princípio
plausível

renovo-me em cântico
na fantástica festa do verde



Soares Teixeira – 11-11-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

"DUAS PALAVRAS" - Soares Teixeira



“Nós dois”
duas palavras que de mãos dadas
caminham em silêncio
sem pressa

paramos numa praia
combinamos ser poema
e selamos o compromisso
acendendo-nos num beijo

brilham os olhos do céu e do mar
o azul expande-se a todas as letras

tornamo-nos ondulação sobre a areia
sem pressa
“Um barco”
duas palavras

vamo-nos escrevendo
as sílabas dos gestos são intensas
no céu
pássaros em espirais
cantam o nosso poema



Soares Teixeira – 10-11-2016
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

"SEDE" - Soares Teixeira



Preciso de sede
para que as minhas pálpebras
sejam navio

beber distâncias
amanhecer nos pássaros
sede
preciso de sede
para navegar

espera-me o búzio de luz
exacto
e inaugural
como a minha sede

preciso de sede
para me oferecer à sede
preciso de ser oferenda
voz que se entrega ao cântico
onda que se dá ao mar
astro que se lança ao infinito
oferenda
de mim para mim

espera-me a rosa do espaço
suspensa
sobre a frescura
de uma palavra inicial



Soares Teixeira – 07-11-2016
(© todos os direitos reservados)