segunda-feira, 7 de novembro de 2016

"SEDE" - Soares Teixeira



Preciso de sede
para que as minhas pálpebras
sejam navio

beber distâncias
amanhecer nos pássaros
sede
preciso de sede
para navegar

espera-me o búzio de luz
exacto
e inaugural
como a minha sede

preciso de sede
para me oferecer à sede
preciso de ser oferenda
voz que se entrega ao cântico
onda que se dá ao mar
astro que se lança ao infinito
oferenda
de mim para mim

espera-me a rosa do espaço
suspensa
sobre a frescura
de uma palavra inicial



Soares Teixeira – 07-11-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

"INTIMIDADE" - Soares Teixeira



O Sol contempla a criança doente
e a criança é a Terra
“Que aconteceu ao Paraíso?”
- pergunta
enquanto respira fundo a sua própria luz

“O bicho homem é mau”
responde um rio
que vai espalhando o olhar pelo céu

faz-se silêncio na festa das flores
que abanando os delicados caules
manifestam o seu acordo com as águas




Soares Teixeira – 03-11-2016
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 1 de novembro de 2016

"EIS OS MORTOS" - Soares Teixeira



eis os mortos:
planícies depois do combate
segredos de regresso aos astros


Soares Teixeira – 01-11-2016 (Dia de Finados)
(© todos os direitos reservados)

"OFÍCIO" - Soares Teixeira



Meu amigo
quando te vires rodeado de gente
mas sem ninguém até à linha do horizonte
quando as coisas te atirarem das falésias
e o vazio te obrigar a beber a dor
pensa-te solene
e que o teu ofício é construir um templo
dentro do peito
palavra a palavra
para nele celebrares o teu direito
ao voo depois da queda


Soares Teixeira – 01-11-2016
(© todos os direitos reservados)

domingo, 30 de outubro de 2016

"DIZ-ME" - Soares Teixeira



diz-me poesia:
em que rio tens voz de astro?
em que mar te fazes navio?


Soares Teixeira – 30-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

"CICLO" - Soares Teixeira



I

Corro
no pomar do engano
e sou certeza que corre
mas só depois
de ver
que o cansaço
é o único fruto
que me resta
é que descubro
que a minha matéria
é fumo

II

Recolho-me
em abelha de cristal
sobre a minha coluna
de palavra e vento
e procuro o longe


III

Sózinho
bebo a ferida
troco a dor
por outra camisa
e regresso
pronto
para me recomeçar
em meteorito
ou rio
e de novo
sou todas as paisagens




Soares Teixeira – 27-10-2016
(© todos os direitos reservados)